Por: Fernando Molica

Centrão fica com seus interesses

De olho na anistia, Bolsonaro será obrigado a aceitar nome que for escolhido por partidos | Foto: Lula Marques/Agência Brasil

Os últimos movimentos do Centrão ampliado reforçam que o grupo, diferentemente dos bolsonaristas, não está disposto a promover ou apoiar um sacrifício coletivo em prol da liberdade do ex-presidente. 

Como no velho ditado que separa amigos dos negócios, o Centrão mostra, pela enésima vez, que é solidário até na morte: vai ao velório, manda flores, cumprimenta parentes do finado, acompanha o enterro — mas não pula na cova.

As apurações da Polícia Federal, a denúncia da Procuradoria-Geral da República e as decisões do Supremo Tribunal Federal favorecerem não apenas Lula e o PT, mas também o Centrão. Permitem a esses partidos incorporarem um bolsonarismo sem Jair Bolsonaro, expurgado, portanto, de teimosias e radicalismos.

O xeque-mate judicial que o ex-capitão está prestes a tomar representa assim uma grande oportunidade para esse grupamento um tanto quanto amorfo de partidos que, apesar do viés conservador, têm em comum a prática de subordinar ideologia aos interesses de seus integrantes.

A decretação de sua inegibilidade e as prováveis condenação e prisão do ex-presidente dele retiraram parte relevante do seu capital político. Continua a ser dono de uma quantidade expressiva de votos, mas isso não muda o fato de que seu próximo destino deverá ser a cadeia.

Se o roteiro for cumprido, Bolsonaro, de grande distribuidor de cartas, passará a ser refém dos seus aliados. Ele, que até agora evita apontar qualquer candidato à Presidência, será obrigado a aceitar o nome que viver a ser decidido por terceiros.

Ele poderá reclamar, estimular que seus filhos façam uma nova rodada de xingamentos, mas terá que pensar duas vezes antes de chutar o balde. Sabe que sua eventual saída da prisão dependerá da vitória de alguém que se comprometa em comprar a briga por sua anistia.

Não que Bolsonaro tenha perdido todos os seus poderes, ele — como mostram as pesquisas — terá um papel decisivo no processo eleitoral, mesmo que recolhido a uma cela. Mas o ex-presidente sabe que o slogan "Só voto em Bolsonaro", colocado nas redes a partir da semana passada, é relativo.

Na hora do pega pra votar, a polarização que ele tanto estimulou tende a entregar duas opções ao eleitor: Lula e um dos que brigam pelo espólio bolsonarista. Não é difícil imaginar qual será a opção dos cidadãos que babam de ódio à simples visão da estrelinha vermelha.

É difícil imaginar que os adeptos mais radicais do ex-presidente terão disposição e capital político suficientes para bancarem a indicação de um candidato que incorpore de maneira mais completa o ideário de Bolsonaro; por exemplo, um integrante da família.

Por mais que tenha comemorado, em 2018, a interrupção de vitórias petistas, a política mais tradicional e setores relevantes do empresariado não gosta dos arroubos típicos do ex-presidente, dos cavalos de pau, das mudanças de rota, de atitudes como o negacionismo em relação a vacinas: todas essas turbulências são prejudiciais aos negócios.

A confusão em que o ex-presidente se meteu permite a seus apoiadores mais ao centro uma perspectiva bem mais tranquila, a da eleição de um parceiro menos radical, ainda que ungido pelo voto bolsonarista. A movimentação, nos últimos dias, de caciques do Centrão e de possíveis candidatos ao trono da direita — entre eles, o agora mais soltinho Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo — mostra que jogo esquentou.

Independentemente de Donald Trump e dos xingamentos de Carlos e Eduardo Bolsonaro, o ex-presidente já começou a ser escanteado. O pior pra ele é que, desta vez, sequer será possível reclamar de traição. Ele vai precisar cada vez mais dos parças que ficarão do lado de fora da cadeia.