Quem não gosta de Jair Bolsonaro adorou ser apresentado aos palavrões e palavras chulas escritos por Eduardo Bolsonaro; assim como quem odeia o PT gostou muito de, em 2016, ouvir os palavrões e palavras chulas usados por Marisa Letícia Lula da Silva em conversa com um de seus filhos.
Além do repertório há outro ponto em comum nos dois casos — é possível, no mínimo, questionar a divulgação do material. Ao promover a exposição dos áudios de Marisa, o então juiz Sérgio Moro tinha o único objetivo de causar danos à imagem da mulher do então ex-presidente Lula.
Um golpe para associar Marisa, de origem humilde, ex-babá e ex-operária, a uma mulher destemperada, incapaz de se expressar num vocabulário que seria adequado a uma ex-primeira-dama. Não havia na gravação nada que indicasse sua eventual participação em algum malfeito, não há referências sequer ao tal triplex que ela teria desejado comprar. Marisa morreria no ano seguinte, depois de sofrer um AVC.
Na mesma leva, o juiz que, por seus desmandos, levaria uma sova do Supremo Tribunal Federal, tratou de estimular a divulgação de diálogo entre Lula e o prefeito do Rio, Eduardo Paes. Uma conversa igualmente repleta de palavrões em que não havia qualquer referência a suposta ilegalidade cometida por eles ou por aliados.
O que o juiz procurava era reforçar o estereótipo de que o ex-presidente era grosseiro, indigno do cargo que ocupara. Ao oferecer o material, Moro infringiu a lei que trata de interceptações telefônicas, que manda inutilizar "a gravação que não interessar à prova".
Como também não há em frases repletas de palavrões digitadas por Eduardo Bolsonaro e dirigidas ao seu pai nada que possa dar novas provas de crimes por ele cometidos nos Estados Unidos. Não é citado nenhum elemento que ajude a reforçar seu indiciamento, pela Polícia Federal, por coação no curso do processo e tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
Não é que ele não esteja atuando para atrapalhar o processo judicial: mais do que isso, tem estimulado o presidente dos Estados Unidos a aplicar medidas contra o Brasil caso o STF não encerre a ação penal contra o ex-presidente.
Eduardo é, na prática, um réu confesso, mas sua culpa não está evidenciada na tal conversa, motivada por uma discordância relacionada ao governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas. Além de xingamentos ao pai, o que se tem ali é, principalmente, uma discussão política e familiar: as declarações não apresentam novos indícios de cometimento de outra rodada de ilegalidades.
O uso, pela polícia ou pelo Judiciário, dessas falas de Marisa, Lula, Paes e Eduardo revela, sobretudo, a dificuldade que setores do Estado brasileiro têm para controlar o próprio poder. É como o atacante que, não satisfeito em fazer o gol, quer dar um drible a mais, pular sobre a bola, rebolar diante do zagueiro, humilhar o adversário.
Seria hipócrita não admitir ser engraçado ouvir o pastor Silas Malafaia usar uma linguagem mais comum nas preleções em vestiários de times de futebol, um palavreado que contrasta com a ideia de um defensor tão rígido do único modelo de família que admite. Mas pronunciar palavras de baixo calão pode se constituir numa impropriedade, em falta de educação — mas não é crime.
Quem de nós não utiliza, em conversa com amigos, linguagem tida como socialmente imprópria? Como não reproduzir em livros um vocabulário corrente nas ruas e que expressa tão bem determinados sentimentos ou ações?
Ainda que necessária em diversos casos, a quebra de sigilo de comunicações é algo muito grave, capaz de expor a terceiros a privacidade de cada um de nós. Cabe ao Estado zelar pelo respeito à intimidade de todos.