Na carta em que enviou a Donald Trump para falar sobre a segurança de Brasília, o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), não citou algo que o une ao presidente norte-americano: suas administrações foram decisivas para que as duas capitais vivessem dois de seus piores, caóticos e mais vergonhosos momentos.
Em 6 de janeiro de 2021, a poucos dias de ser despejado da Casa Branca, Trump, inconformado por não ter sido reeleito, atiçou correligionários, que invadiram e depredaram o Capitólio para tentar impedir o reconhecimento formal da vitória do democrata Joe Biden. Agrediram, mataram e feriram policiais.
A frase seguinte é bem parecida com o anterior: em 8 de janeiro de 2023, poucos dias depois de Jair Bolsonaro ser despejado do Palácio da Alvorada, bolsonaristas inconformados pela não reeleição do correligionário invadiram e depredaram o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal para tentar derrubar o presidente Lula. Agrediram e feriram policiais.
A Polícia Militar sob o comando de Ibaneis — que agora se vangloria da segurança do DF — foi, por sua omissão, decisiva para a realização da intentona. As falhas foram tantas que o governador chegou a ficar mais de dois meses afastadado do cargo por decisão do STF.
Oito ex-subordinados do governador, todos da área de segurança pública, foram denunciados pela Procuradoria-Geral da República (vale lembrar, instituição independente, que não integra o Judiciário) e serão julgados. Entre eles estão Anderson Torres, ex-secretário de Segurança, e o coronel Fábio Augusto Vieira, ex-comandante da PM. Os outros seis são oficiais da corporação.
Trump errou os números referentes à criminalidade em Brasília não por "atual ausência de um diálogo mais consistente entre o Brasil e os Estados Unidos da América", como disse Ibaneis em sua carta, que estimula ainda mais a crise provocada pelo presidente norte-americano e que tanto afeta a nossa economia.
O sujeito errou porque está acostumado a mentir pelos cotovelos, porque queria fustigar Lula — daí incluir a capital do Brasil na lista — e porque, de um modo geral, aqueles caras não se dão ao trabalho de ter informações corretas sobre a América Latina. Presidente dos EUA não fica pesquisando boas fontes no Google, né, governador?
Ibaneis faz oposição ao atual ocupante do Planalto, foi democraticamente eleito também para isso. Mas essa condição não lhe dá o direito de falsear fatos. Não foi Planalto que rompeu o diálogo com os Estados Unidos: foram os norte-americanos que, insuflados por amigos do governador, impuseram um tarifaço ao Brasil sem qualquer conversa prévia e, agora, barram qualquer negociação. O secretário de Tesouro dos Estados Unidos, Scott Bessent, cancelou a reunião que teria com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
O momento é muito grave, as sanções dos EUA ameaçam empresas e trabalhadores brasileiros. O governo norte-americano quer mandar no Judiciário brasileiro, uma interferência direta, um atentado à nossa soberania. Ibaneis tem até o dever de fornecer números corretos sobre a violência em Brasília, mas poderia ter evitado o oportunismo de misturar a correção com a bajulação de alguém que pune nosso país.
Na ânsia de criticar o presidente brasileiro — um direito de cada cidadão —, Ibaneis acabou fazendo um gol contra: elogiou um sujeito que acabou de decretar uma intervenção na capital do seu país, Washington, que tem status parecido com Brasília.
Na carta, Ibaneis ainda frisa a autonomia do DF. Pelo jeito, ninguém parece ter contado pra ele que Trump acaba de atropelar a autonomia de Washington, DC. Imagine o escândalo que seria se Lula fizesse algo assim, passasse o rodo federal na segurança pública de Brasília e tirasse poderes constitucionais do governador do DF.