Donos de um agressivo discurso contra a criminalidade, governadores de direita — a julgar pela reação ao tarifaço norte-americano — indicam que, diante de um sequestro, entregariam os pontos diante das primeiras exigências dos bandidos.
Integrantes do grupo de governadores que participaram de reunião em Brasília, trataram de jogar a responsabilidade pela crise no governo federal, e não no presidente Donald Trump, que decretou a sanção que atinge a economia, as empresas e os empregos brasileiros.
Governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), mostrou que acordara bolsonarista no dia do encontro, e tratou de dar mostras de fidelidade ao ex-presidente. Até inverteu os fatos, como costuma fazer Jair Bolsonaro: disse que o governo é que estava agredindo os Estados Unidos.
Segundo Tarcísio, "a gente acabou indo pra caminho muito ruim, caminho que acabou agredindo parceiro histórico do Brasil". Como se Lula é que tivesse iniciado o problema com o Trump, e não o contrário.
Pré-candidato à presidente da República, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União), defendeu uma anistia ampla, geral e irrestrita, que livraria Bolsonaro e aliados da cadeia. Pregou, portanto, o pagamento do resgate exigido pelo ocupante da Casa Branca, que classifica de caça às bruxas o processo contra o ex-presidente.
Há alguns meses, Caiado disse que, se chegar à Presidência, bandidos teriam que mudar de país: seu comportamento diante da chantagem promovida por Trump demonstra que sequestradores poderão ficar por aqui.
Governadores têm o direito de discordarem de Lula, de criticarem a condução da crise com os Estados Unidos, mas não podem distorcer os fatos nem admitirem uma absurda intervenção estrangeira no Brasil. Trump quer mandar no Supremo Tribunal Federal, acha que pode passar a calavaria da mesma forma como se vê no direito de ocupar Washington.
Agora, ele autoriza operações militares secretas em países da América Latina onde atuam cartéis ligados ao tráfico de drogas. Faria melhor se cuidasse de sua própria casa. Ele, porém, demonstra estar mais preocupado com a entrada de seres humanos do que de substâncias ilegais — produtos que atendem a uma demanda gerada pelos próprios norte-americanos.
É absurdo também que governadores legitimem a ameaça do presidente norte-americano à decisão de alguns países de fortalecerem um bloco independente, o Brics. De novo: eles podem fazer suas críticas a essa união estratégica e comercial. Mas fica feio defenderem o ataque de uma potência que não admite a soberania brasileira. Por esse caminho, entregariam à Casa Branca o controle da nossa política externa.
Governador de Minas, Romeu Zema (Novo), disse até que o Brasil não deveria priorizar relações comerciais com países de religião diferente. Por essa lógica, ou abrimos mão de nosso maior parceiro, a China, ou tratamos de enviar missionários para converter sua população local ao cristianismo (ele bem que poderia ter iniciado a tarefa ao, em 2023, participar em Xangai do Brazil-China Business Fórum. Em junho passado, voltou ao país).
O mais engraçado é que, segundo a Agência Minas, portal oficial de notícias do governo mineiro, a China é o maior parceiro comercial do estado — ano passado, exportou US$ 15,5 bilhões para e importou produtos que chegaram a US$ 4,3 bilhões. É improvável também que a rede de lojas que Zema herdou evite vender produtos chineses.
Vale insistir: fazer oposição é legítimo e necessário, a democracia precisa disso. Mas não se pode concordar com o sequestro do país. Negociar é preciso, mas não dá pra jogar saliva com alguém que nos enche de tiros.