O esforço para a aprovação de leis que impeçam a ida de Jair Bolsonaro para a cadeia remete a dois episódios vergonhosos de nossa história, a imposição de normas jurídicas feitas para livrar a cara de poderosos.
As chamadas leis Teresoca (1943) e Fleury (1973) foram criadas para, respectivamente, garantir que um magnata da imprensa ficasse com a guarda de uma filha gerada fora do casamento e para evitar a prisão de um torturador.
Aos 41 anos, separado, Assis Chateaubriand, fundador dos Diários Associados, começou a se relacionar com a atriz argentina Cora Acuña, de 15 anos. Em 1934, o casal teve uma filha, Teresa.
Pela legislação da época, filhos nascidos fora do casamento não poderiam ser registrados, mesmo em caso de desquite (não havia divórcio). Chatô então pressionou o ditador Getúlio Vargas e conseguiu, em 1942, um decreto-lei que permitia tal reconhecimento.
Naquele mesmo ano, a relação entre Chatô e Cora degringolou; e o jornalista não queria ficar sem Teresoca, como a chamava. O problema é que, pela legislação, a guarda dos filhos caberia a que primeiro o reconhecera, no caso, a mãe da menina.
Inconformado, Chatô voltou ao presidente e conseguiu que este baixasse o Decreto-Lei nº 5.213. A medida dava ao pai a prioridade para ficar com os filhos e passou a ser conhecida como Lei Teresoca.
Em 1973, o delegado da Polícia Civil paulista Sérgio Paranhos Fleury, um dos mais cruéis torturadores que prestavam serviços à ditadura militar, esteve ameaçado de ser preso.
Investigação do Ministério Público comandada pelo promotor Hélio Bicudo revelou que o policial era também dos chefes do Esquadrão da Morte, responsável por, pelo menos, 22 execuções de supostos bandidos, inclusive de alguns que estavam presos e haviam sido retirados de presídio para que fossem assassinados.
Sua prisão acabaria sendo decretada por envolvimento com o tráfico de drogas. Ele foi acusado de ter matado um rival de um traficante com quem tinha negócios. Foi então que o ditador Emílio Garrastazu Médici entrou em campo para ajudar seu cúmplice e sancionou mudança no Código de Processo Penal que permitia ao réu de crimes contra a vida responder em liberdade se fosse primário e de bons antecedentes: era o caso de Fleury.
A extrema direita que tanto reclama (pelo menos, reclamava) do reconhecimento de direitos humanos para bandidos, deveria botar essa generosidade na conta do general Médici, que comandou o país na fase mais cruel da ditadura.
Todas as pautas priorizadas pelos bolsonaristas que ocuparam as mesas da Câmara e do Senado estão vinculadas ao caso do ex-presidente da República: anistia, fim da prerrogativa de foro (o foro privilegiado para autoridades) e o impeachment do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.
Esses políticos vão negar esta relação direta entre propostas e Bolsonaro, mas isso é evidente. O motim no Congresso só ocorreu depois da decretação da prisão do ex-presidente.
Parlamentares importantes do PL repetem considerar insuficiente uma anistia apenas para tirar da cadeia os condenados pelos atos ocorridos no 8 de Janeiro. Filho do ex-presidente, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) fala em anistia "ampla, geral e irrestrita", mote da oposição no fim dos anos 1970.
O fim da prerrogativa de foro mira a possibilidade de levar para a primeira instância processos que correm em tribunais superiores, mesmo aqueles já instaurados. Não faz tanto tempo, jogar os casos para cima era visto como garantia de impunidade; hoje, é o contrário. A proposta de impeachment de Moraes é autoexplicativa.
Talvez fosse mais simples criar uma emenda constitucional específica, algo bem explícito que garantisse ao cidadão Jair Messias Bolsonaro o direito de jamais se preso, independentemente de seus eventuais crimes. Seriam revogadas todas as disposições em contrário.