Crítico feroz das ocupações de fazendas, o bolsonarismo aderiu à estratégia do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra ao invadir as mesas diretoras da Câmara e do Senado para forçar a adoção de suas pautas.
Um gesto compatível com a ditadura tão louvada por Jair Bolsonaro e seguidores — os militares, por três vezes, fecharam o Congresso Nacional. Desta vez, não preciso nem mandar cabos e soldados, o serviço foi feito por parlamentares, eleitos para, entre outros pontos, defenderem a integridade das duas casas.
É previsível que a extrema direita fique inconformada com a prisão de Jair Bolsonaro, busque anistia para golpistas e o impeachment de Alexandre de Moraes, que abomine atos do ministro do Supremo Tribunal Federal (alguns de seus gestos são mesmo passíveis de questionamentos).
Mas não admissível impedir o funcionamento do Poder Legislativo. O Parlamento, por definição, é local de debates, a palavra é derivada do verbo francês "parler", ou seja, falar. Diferentemente do que querem transmitir ao colocarem adesivos nas próprias bocas, eles, deputados e senadores, é que estão impedindo o debate, calam o contraditório.
Câmara e Senado são espaços de divergência, que procuram espelhar a diversidade que existe no país. Não se pode, portanto, querer transformá-los em casas de pensamento único, onde apenas uma voz seja ouvida. A atitude é incompatível até com o discurso de que o país viveria uma ditadura do Poder Judiciário — o remédio encontrado para o suposto autoritarismo do Supremo Tribunal Federal seria então impedir um outro poder de funcionar.
Bolsonaristas procuram justificar o recurso da ocupação, alegam que os presidentes das duas casas não têm dado andamento a propostas que consideram decisivas. Mas eles sabem que isso faz parte do jogo político, do exercício de pressões típico da democracia: só há unanimidade na ditadura.
Os responsáveis pelo comando da Câmara e do Senado têm o poder de elaborarem as pautas, de definirem prioridades, por mais que estas sejam criticáveis. Eduardo Cunha só pautou o impeachment de Dilma Rousseff por um motivo muito específico, a negativa do PT em livrar sua cara no Conselho de Ética da Câmara.
Os que agora reclamam de parcialidade do STF comemoraram quando a mesma corte só afastou Cunha da presidência da Câmara em maio de 2016, menos de um mês depois de ele conduzir a abertura do processo contra Dilma Rousseff, o pedido para que o deputado fosse defenestrado estava lá desde o ano anterior.
A ocupação das mesas do Congresso é ainda mais injustificável pelo seu atrelamento ao destino de apenas uma pessoa, Bolsonaro. Seus seguidores parecem esquecer que foram eleitos para defender interesses de parcelas da sociedade, não para cerrar fileiras em torno do ex-presidente. Não por acaso, a decisão de impedir os trabalhos do Legislativo ocorreu na sequência da prisão domiciliar decretada por Moraes.
Vale ressaltar que não está esgotada a possibilidade de o próprio STF mandar libertar Bolsonaro, na própria corte há os que questionam atitudes de Moraes, embora reconheçam seu papel decisivo na preservação da democracia brasileira, tão ameaçada em 2022 e no início de 2023. Uma revisão inexistente na ditadura, quando a maior parte das prisões ocorria sem qualquer ordem judicial.
Ao travar os trabalhos do Legislativo, bolsonaristas ampliam a lógica do sequestro decretado por Donald Trump em relação ao Brasil. Para que consigam impor suas propostas, transformam o Congresso — e, por extensão, o país — em refém: a paralisação pode impedir a aprovação da medida provisória que isenta de imposto de renda quem recebe até dois salários mínimos.
Tais parlamentares seguem assim a cartilha anunciada por Eduardo Bolsonaro que, em entrevista ao jornal O Globo, afirmou que só trabalha com a perspectiva de 100% de vitória ou 100% de derrota. É uma afirmação de viés totalitário, que nega a negociação típica das democracias e que chega afinada com a tentativa de golpe que tentou jogar o país numa ditadura absoluta.