Por: Fernando Molica

Michelle e os riscos para Valdemar e Bolsonaro

Bolsonaro resiste a candidatura de Michelle | Foto: Isac Nóbrega/PR

Ao criticar os governadores de direita que não apareceram no ato pró-Jair Bolsonaro, o pastor Silas Malafaia indicou o que o jornalista Tales Faria, do Correio, cravou: no entorno do ex-presidente, muita gente quer que sua mulher, Michelle, seja candidata a presidente da República.

Os bons índices por ela alcançados na última pesquisa Datafolha reforçaram a convicção da ala bolsonarista do PL que Michelle é a melhor opção disponível para a extrema direita em 2026.

Além do sobrenome Bolsonaro e da evidente ligação com o marido, ela tem outras vantagens: é evangélica, jovem, bonita, tem carisma, fala muito bem — aparentemente, sabe dosar a imagem de esposa com a de militante, encarna não uma mulher ambiciosa, mas a companheira que assume o lugar do marido que, por força maior, foi afastado da batalha.

O problema é que ganhar eleição é apenas uma etapa do processo. Por mais personalista que seja, Jair Bolsonaro representa determinadas forças políticas, inclusive setores que se viam alijados da vida institucional e partidária, como militares, policiais, evangélicos e representantes uma classe média que temia a aproximação dos pobres e o afastamento dos ricos.

Avesso à tarefa de administrar, às chatices inerentes à administração pública, Bolsonaro não viu problemas em terceirizar o governo para o Centrão enquanto corria pro abraço no cercadinho. Mostrou que, apesar da teimosia, sabia jogar o jogo. 

Michelle, por sua vez, é um mistério. Jamais exerceu qualquer mandato parlamentar ou cargo na administração pública. Encarna o espírito do bolsonarismo, mas pouco se pode dizer do que seria capaz caso chegue à Presidência.

Católico de formação, Bolsonaro soube adaptar seu discurso à lógica evangélica, mas já  existia como personagem político antes de ser rebatizado — por um pastor e político que acabaria preso — no Rio Jordão. 

Ao ser candidatar ao Planalto, carregava nos ombros sete mandatos de deputado federal. Por mais supreendentes e mesmo absurdas que fossem as atitudes de Bolsonaro na Presidência, nada era incompatível com seu passado.

É possível prever que, candidata, Michelle radicalizará seu discurso em defesa de uma determinada configuração familiar e, caso eleita, reforçará a já relevante presença de lideranças evangélicas na esfera pública, o que inclui a concessão de novas vantagens para o segmento. 

A grande questão é que, apesar de todo o poder conquistado pelo Legislativo nos últimos anos, presidente da República ainda manda, é capaz de definir políticas, rumos e delimitar setores que serão mais ou menos favorecidos. E quase ninguém pode adivinhar que grupos seriam beneficiados com a ascensão à Presidência de uma pessoa estranha ao universo da política.

Tanto que sua base de apoio no PL é a ligada ao seu marido, não a Valdemar Costa Neto, presidente do partido, político que sempre se caracterizou pelo pragmatismo, teve papel fundamental na formulação da candidatura de Lula que seria vitoriosa em 2002. Apesar de todo prestígio de Bolsonaro, quem manda no PL é Valdemar.

A chegada de Michelle à Presidência tenderia a mudar o equilíbrio do partido, a diminuir o peso do, digamos, PL raiz. Grato a Bolsonaro pela avalanche de votos que fez disparar o número de deputados do partido e, consequentemente, suas verbas oficiais, Valdemar evita qualquer atrito com o ex-presidente, mas se mantém no comando, respaldado pelos princípios que movem o Centrão.

O crescimento político de sua mulher também geraria consequências para Bolsonaro, que, pelo menos temporariamente, deixaria de ser a estrela do movimento político que deriva do seu nome. Seus filhos também ficariam em segundo plano com o brilho da madrasta, perderiam a oportunidade de ocuparem o lugar do pai.

Outro problema é que Michelle tem o nome, mas não o sangue dos Bolsonaros — e eles demonstram só confiar neles. Por mais fiel que seja aos princípios do marido, ela, respaldada pelos votos, passaria a ser dona também de seu destino político. Pelo menos até agora, o ex-presidente não quer se arriscar a cometer essa fraquejada.