Há muito tempo nas águas da Guanabara, o corsário René Duguay-Trouin, a serviço do rei francês, fez o que Donald Trump tenta fazer, e, em 1711, sequestrou o Brasil — no caso, a cidade do Rio de Janeiro.
Contada no romance "O nobre sequestrador" (Record), de Antônio Torres, a pilhagem arrecadou, entre outros itens, 600 quilos de ouro, 610 mil cruzados, cem caixas de açúcar, 200 bois e escravizados. Em troca do pagamento, o invasor não destruiu a cidade, então com 12 mil habitantes.
A exemplo do presidente norte-americano, Duguay-Trouin — hoje eternizado em bronze na cidade de Saint-Malo, na Bretanha — também queria garantir liberdade para uns amigos; no caso, os compatriotas aprisionados desde o francasso de outra expedição corsária, a liderada no ano anterior por Jean-François Duclerc, que acabaria preso e assassinado no Rio.
As circunstâncias históricas e as motivações de cada sequestrador são, claro, completamente diferentes. Mas o básico permanece. Como ocorreu há 314 anos, uma grande potência ameaça o Brasil e exige o pagamento de um resgate (no caso, fim do processo contra Jair Bolsonaro e aliados) para não provocar danos terríveis, que afetariam a população.
Mas no ataque ocorrido no século XVIII, os estrangeiros, a bordo de 15 naus, não contavam com qualquer tipo de apoio por aqui: portugueses — que mandavam nessas terras — e nascidos no Brasil demonstraram união contra o invasor. A expressão "quinta coluna" sequer havia sido inventada.
O livro registra que 40 mulheres famintas chegaram a se oferecer aos franceses em troca de pão, mas acabaram repelidas pelos piratas.
A população local, porém, não escapou de uma solitária traição, motivada pela covardia do responsável pelo Rio, o governador Francisco de Castro Morais. Numa outra relevante assimetria em relação ao que ocorre hoje, o político ignorou avisos de que a esquadra invasora se aproximava e, depois, fugiu à luta: desertou, negociou a rendição com os franceses, limpou os cofres da cidade e da população e aceitou pagar o resgate exigido por Duguay-Trouin.
"Todo mundo acusou o governador, implacavelmente. O ponto o ameaçava de morte, chamando-o de traidor. 'Este covarde nos vendeu. E entregou os nossos pertences aos bandidos'", narra Antônio Torres. O escritor ainda ressalta a punição moral aplicada ao entreguista: "Puseram-lhe um apelido que o marcaria por toda a vida, como o ferro na pele do gado: Vaca".
Castro Morais e outros cúmplices acabariam julgados em 1712. Ele acabaria condenado ao degredo e à prisão perpétua, que deveria ser cumprida na Índia. Seus bens teriam que ser sequestrados. Torres conta, porém, que Vaca teria recebido uma espécie de anistia.
O covarde pode até ter se livrado de punições mais severas, mas não escapou da história. Sua fraqueza e seu entreguismo ficaram marcados na história: o apelido de Vaca também serve como advertência aos que, séculos depois, reproduzem um comportamento bovino e subserviente em relação ao invasor.