Por: Fernando Molica

Trump atua como paizão autoritário da humanidade

Trump se acha no direito de impor ao mundo o que bem entender | Foto: Donald Torok/Fotos Públicas

Ao justificar a imposição de sobretaxa de 25% a produtos indianos, o presidente Donald Trump mostrou que, mais do que imperador do mundo, ele se acha uma espécie de paizão da humanidade. Disse que o país asiático é amigo, mas que cobra muito do que importa dos Estados Unidos e, principalmente, compra energia da Rússia — daí, não tem jeito, vai ficar de castigo.

É razoável que um grupo de países aplique sanções ao país de Vladimir Putin para pressioná-lo a acabar com guerra absurda que começou. Mas chega a ser engraçado que os Estados Unidos, que tanto armaram e apoiaram golpes de Estado pelo mundo, que financiaram e financiam ditaduras, que jogam imigrantes em celas imundas, que sustentam a matança promovida por Israel, venham posar de palmatória da humanidade.

Os EUA, que tantas contribuições importantes deram para todos nós, não têm o direito de fazer cobranças morais a nenhum país. Historicamente, sempre priorizaram seus próprios interesses econômicos e geopolíticos. 

O olhar do país em relação aos direitos humanos é historicamente enviesado: condena a situação em Cuba, mas finge que não vê o que ocorre em aliados como a Arábia Saudita. Há alguns meses, Trump anunciou que aceitaria um Boeing 747-8 da família real do Catar, uma fazenda em forma de nação.

Mesmo assim, Trump, a exemplo de tantos líderes, especiamente os da nova safra da extrema direita, posa de juiz de todos os povos — perto dele, Xandão é apenas um estagiário de alguma vara criminal perdida no interior do Brasil, incapaz de mandar até um ladrão de galinhas para a cadeia.

O presidente norte-americano ignora todos os protocolos e acordos que, ao longo dos séculos — especialmente depois da II Guerra Mundial —, procuraram estabelecer parâmetros mínimos de convivência entre os diversos países, algo que impedisse que o fortão da rua saísse por aí socando quem achasse que deveria apanhar.

O fim da União Soviética acabou com o tenso equilíbrio que garantia alguma estabilidade internacional. Até então, as duas grandes potências sabiam que precisavam tomar muito cuidado com cada gesto, até para não mandar o mundo pelos ares.

A nova configuração mundial complicou tudo, não dá pra culpar os comunistas, a ameaça chinesa não é ideológica, joga no campo da competitividade capitalista, e o país asiático parece estar mais interessado em crescer do que em se meter em guerras por aí. Trump que gaste o dinheiro dos norte-americanos com essas bombas que manda para o mundo inteiro.

As mudanças na economia tiraram de governantes boa parte de seus antigos poderes, o mando foi dividido com corporações gigantescas, muitas vezes sem rosto, donas de muito dinheiro e de informações, elas sabem tudo de cada um de nós. Trump simula assim a reconquista de uma força que foi perdida pela política — como se dissesse que o papai voltou.

O post em que anunciou a punição à Índia tem o tom de bronca paterna; é ainda mais constrangedor do que a carta aberta que mandou para o presidente Lula. Revela um sentimento de onipotência comum aos pais que agridem os filhos, dão chineladas em seus bumbus, os colocam de castigo — e ainda falam algo como "É pro seu bem".

Pior é que esse tipo de postura preenche o imaginário de tanta gente que sonha com um paizão autoritário e presente, que acabe com a bagunça, que organize a confusão, que simplifique um mundo tão complicado, tão cheio de diferentes individualidades, indentidades e conceitos, um mundo que foge ao papai-mamãe bíblico, ao certo e ao errado. 

Como no caso de pais autoritários, Trump não se justifica — melhor, conta uma mentira qualquer para explicar o inexplicável. No fundo, diz apenas que manda aqui é ele, tarefa facilitada pela submissão de muita gente que, de maneira até infantil, adora agradar papai, mesmo se, para isso, for preciso trair seus irmãos.