Com base numa provocação feita ao líder comunista Luís Carlos Prestes, vale questionar Jair Bolsonaro: de que lado o sr. ficaria em caso de guerra entre Estados Unidos e Brasil?
A mesma pergunta pode e deve ser feita a deputados bolsonaristas que, ontem, na Câmara, estenderam faixa em inglês com o lema de Donald Trump, o de fazer a América grande outra vez.
A extrema direita brasileira tem o direito de espernear contra o processo contra o ex-presidente e seus aliados, pode reclamar do Supremo Tribunal Federal, do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB): para citar o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, está livre para se queixar à ONU, à Liga da Justiça e ao raio que o parta.
A defesa de Lula também fez um barulho internacional para criticar sua condenação e prisão. Mas em nenhum momento propôs ou apoiou medidas que prejudicassem a nossa economia e o nosso povo daqui.
O problema — caso atual — é quando a denúncia se transforma em conspiração contra o país e suas instituições. Hoje, um grupo político joga o destino do Brasil nas mãos do presidente da maior, mais rica e mais poderosa nação.
Insiste no apelo ao poder norte-americano mesmo depois de a Casa Branca chantagear o Brasil e insistir para que o STF lhe obedeça. Na prática, Trump quer que nosso país abra mão de sua soberania. Por enquanto, a guerra é comercial, mas, sabe-se lá o que pode fazer um sujeito que anunciou o desejo de incorporar o Canadá e a Groelândia ao território dos Estados Unidos e revelou a vontade de construir resorts sobre os cadáveres que, com seu apoio, Israel acumula em Gaza.
Trump usa e abusa da lei do mais forte, não dá a menor bola para instituições internacionais, já deixou a Organização Mundial da Saúde e, ontem, anunciou que também abandonará a Unesco, Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (faz até sentido que ele se lixe para saúde, educação, ciência e cultura). Ainda está na ONU porque a própria organização não vale nada.
É razoável que políticos de extrema direita se identifiquem com Trump, que torçam por sua vitória, que vejam nele um modelo a ser seguido. Mas é preciso lembrar que, na concepção dele, a história do refazer a América grande inclui diminuir outros países, entre eles, o Brasil. A política de prisão e expulsão de imigrantes também afeta brasileiros, gente que foi para lá em busca de uma vida melhor.
Vale insistir: Bolsonaro pode usar muitos recursos para se defender, para reclamar de determinações questionáveis, como a proibição de se manifestar em redes sociais, mesmo em perfis de terceiros — ele, afinal, sequer foi condenado, e a Constituição impede a censura.
Mas apesar de todo seu amor declarado aos EUA e a Trump, à continência prestada à bandeira norte-americana, ele, até por ser um ex-presidente da República, não pode estimular a submissão de seu país em nome de seu próprio interesse. Sabe aquela história do Brasil acima de tudo? Pois é.
Daí a dúvida sobre de que lado ficaria num conflito. Vale explicar a história: em 1946, ao ser questionado sobre como reagiria a uma guerra entre Brasil e União Soviética, Prestes derrapou feio. Disse que tal conflito só existiria em caso de uma guerra imperialista contra a URSS e que, assim, ele e outros patriotas resistiriam a um governo "que quisesse a volta do fascismo". Ou seja, ficaria ao lado da então pátria-mãe do socialismo, e não do Brasil.
A fala gerou um imensa repercussão, acusações de traição e serviu de pretexto para o cancelamento do registro do PCB na Justiça Eleitoral e a consequente cassação dos mandatos de seus parlamentares, inclusive o do senador Prestes. Agora é a hora de Bolsonaro — ex-capitão do Exército, como o então líder comunista — dizer para que bandeira prestaria continência no caso de uma guerra.