Os ataques de Donald Trump ao país são tão estapafúrdios que remetem a velhas caricaturas sobre o poder norte-americano — como o quadro do programa "Os Trapalhões" que, no fim dos anos 1970, ilustrou o samba "O patrão mandou", de Paulinho Soares.
Vestidos com a clássica fantasia de Tio Sam, Renato Aragão (Didi), Dedé Santana, Antônio Carlos (Mussum) e Mauro Gonçalves (Zacarias) dançam e representam enquanto Soares, à frente do quarteto, interpreta a canção que ironiza a força dos Estados Unidos:
"O patrão mandou cantar com a língua enrolada./ Everybody macacada. Everybody macacada/ E também mandou servir uísque na feijoada./ Do you like this, macacada? Do you like this, macacada?"
Dos quatro, Dedé é que incorpora de maneira mais simbólica o Tio Sam — além da fantasia em azul, vermelho e branco, usa a barbicha que tanto marca o personagem.
Dá ordens, expulsa de cena Mussum (integrante do grupo Originais do Samba) nos versos em que "o patrão" manda retirar "nosso samba da parada". Arrogante, determina a coreografia do grupo e chega a distribuir sopapos nos outros.
"O patrão mandou" era quase uma atualização da também irônica "Canção do subdesenvolvido", composta por Carlinhos Lyra e Chico de Assis e lançada em 1962 pelo CPC (Centro Popular de Cultura) da União Nacional dos Estudantes, que cultivava um viés nacionalista e de esquerda.
A canção é um panfleto musical que enumera o domínio de potências estrangeiras no Brasil. Ao tratar dos Estados Unidos, ressalta a injustiça das relações comerciais entre os dois países e a dominação cultural norte-americana: "Rock-balada, filme de mocinho/ Ar refrigerado e chiclet de bola/ E coca-cola...!"
Engraçadas, as duas canções pareciam condenadas a um passado em que tanto se falava em imperalismo, principalmente, no papel exercido pelos EUA. Uma crítica que, segundo teóricos liberais, teria sido superada pela complexidade de um mundo moderno e interdependente.
Décadas depois, porém, o autoritarismo do governo norte-americano mostra que o viés caricatural e mesmo maniqueísta dos anos 1960 e 1970 não foi sepultado pela história. O "patrão" agora se acha no direito de tentar interferir num julgamento do Supremo Tribunal Federal para garantir a impunidade de Jair Bolsonaro.
Não mudou também a postura dos políticos que, como nos cartuns tão comuns em outros tempos, mantêm subserviência aos EUA, beijam a mão de Tio Sam. Como na canção do CPC da UNE: "O povo brasileiro embora pense, dance e cante/ como americano / Não come como americano / Não bebe como americano/ Vive menos, sofre mais." E conclui: "Personalidade sem igual / Porém... subdesenvolvida, subdesenvolvida /E essa é que é a vida nacional!"
O clipe dos Trapalhões pode ser visto em https://globoplay.globo.com/v/5715161/ .