Por: Fernando Molica

Ameaça ao Pix vem de Washington, não de Brasília

Trump puniu produtos brasileiros e agora reclama do Pix | Foto: Alan Santos/PR

A inclusão do Pix no rol das várias queixas do governo norte-americano em relação ao Brasil chega a ser irônica com os bolsonaristas. Afinal, eles tanto acusam a administração petista de querer taxar ou mesmo acabar com esse ovo de colombo para pagamentos inventado pelo Banco Central.

A reclamação serve também para provar mais uma vez — se é que isso ainda precisaria ser reiterado — que os Estados Unidos, assim como qualquer outro país, não se movem por amizades, mas por interesses. Ao levarem bandeiras norte-americanas para atos públicos, manifestantes de extrema direita apenas asfaltavam caminho para o SUV trumpista que agora ameaça nos atropelar.

Uma boa parcela do eleitorado da direita brasileira deu de ombros quando Donald Trump começou a perseguir imigrantes (muitos nascidos aqui), a deportá-los, a enviá-los para prisões de desumanidade máxima. Eles, as vítimas, são os mais ferrados, não foram pros Estados Unidos passear na Disney ou trabalhar de forma institucionalizada; são os mais pobres, os ilegais — e, afinal, quem manda ser clandestino no país dos outros, não é mesmo? (Esta última frase contém elevados teores de ironia.)

Em janeiro, o governo Lula levou um tombo em sua popularidade ao tentar regulamentar, via Receita Federal, o monitoramento de transações com o Pix. A medida foi então percebida como uma brecha para a ampliação do controle de rendimentos e sua consequente taxação — algo que setores do comércio notaram há muito tempo, é só ver os bares e restaurantes que rejeitam a forma brasileirinha de pagamento. A grita foi tão grande que o governo precisou voltar atrás.

Agora, a história é mais séria. É o governo do país mais poderoso do mundo que ameaça — para usar a imagem do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) — jogar uma bomba atômica no Pix. Isto porque o mecanismo atrapalha o faturamento de empresas norte-americanas, como Google Pay, Apple Pay e as que emitem cartões de crédito.

Só ano passado, boa parte dos R$ 26,455 trilhões transferidos via Pix não passou pelo caixa de tais empresas. Um dinheirão que deixou de, digamos, pagar imposto para gigantes como Mastercard e Visa. o percentual dos valores de compras que é mordido pela operadora. 

Brasileiros que tanto temem a possibilidade de taxação do Pix (vale lembrar que, no governo passado, Paulo Guedes queria ressuscitar a CPMF), agora percebem que empresas norte-americanas é que taxam muitas de nossas transações.

A cobrança de taxas pela administração de pagamentos afeta todo mundo, o comerciante que recebe os pagamentos e os clientes, obrigados a arcar com o repasse do percentual retido por cartões de crédito ou instituições financeiras.

No fim das contas, a ameaça ao Pix não vem de Brasília, mas de Washington, do mesmo lugar de onde partiu a decisão de inviabilizar exportações brasileiras que geram renda e emprego aqui entre nós. Medidas concretas e explícitas que, pelo menos, ajudam a colocar nos eixos um mundo deslocado por terraplanistas que tanto louvaram as estrelas e as listras da bandeira norte-americana.

E, vale deixar claro, ao erguer essas barreiras, o governo dos Estados Unidos apenas renova o que sempre fez; boa parte de sua prosperidade foi construída com base em medidas contrárias a países que tomaram atitudes que contrariavam seus interesses. 

Foi isso que ergueu a longa tradição intervencionista dos EUA, que motivou sua atuação em golpes de Estado na América Latina e a sempre renovada presença no Oriente Médio, onde há muito petróleo.

Em nome de seus negócios, os norte-americanos patrocinaram a retirada de um pedaço da Colômbia  para que lá criassem um país — o Panamá — que viabilizasse o canal que ligaria o Atlântico ao Pacífico. Tolinhos os que acreditaram que essa lógica havia mudado.