As confusões da oposição em torno do tarifaço de Donald Trump geraram, em setores da direita, uma tensa expectativa sobre o que fazer diante de um desgaste ainda maior de Jair Bolsonaro. Os sucessivos tropeços fortalecem um questionamento que, até então, só era mencionado no breu das tocas: será que já não é hora de ele já ir?
A declaração de inegibilidade do ex-presidente pela Justiça Eleitoral e a alta probabilidade de sua prisão eram considerados fatores de enfraquecimento da principal liderança do grupo, mas sua aposta na ajuda norte-americana tem se revelado, até o momento, desastrosa, capaz de prejudicar boa parte do universo político da direita.
A cada dia fica mais evidente que a campanha nos Estados Unidos conduzida por Eduardo Bolsonaro, deputado federal licenciado, e pelo blogueiro Paulo Renato de Oliveira Figueiredo Filho tem apenas o único objetivo de evitar que o ex-presidente vá para a cadeia.
Não importa que, para isso, bolsonaristas deem a Trump desculpas para ele tomar medidas que prejudiquem empresários e trabalhadores brasileiros, que virem de cabeça pra baixo as relações entre os dois países.
O episódio ressalta, de maneira explícita e quase caricatural, que a carreira política dos Bolsonaros tem, como principal objetivo, o de defender interesses da família. Desde os menores, sintetizados nas histórias de rachadinhas tão bem detalhadas no livro "O negócio do Jair" (Zahar), de Juliana Dal Piva, até outras, mais amplas, que envolvem uma espantosa desenvoltura no mercado imobiliário.
O próprio alinhamento de Bolsonaro com a direita de ideário liberal é falso e oportunista. Ele, desde a caserna, tinha uma atuação voltada para interesses corporativos, o que incluía os seus. Seu, vá lá, arcabouço ideológico não passava de uma coleção de absurdos históricos em defesa da ditadura e dos torturadores.
O caso da privatização da Vale é bem ilustrativo: revoltado com a venda da empresa, Bolsonaro, mostrou-se herdeiro do viés estatizante e nacionalista que ainda era muito presente entre os militares. Em entrevista ao apresentador Jô Soares, sugeriu o fuzilamento do presidente Fernando Henrique Cardoso pelo crime de entregar a estatal à iniciativa privada. Reclamou também da venda de empresas de telecomunicações e de reservas de petróleo.
Sua conversão ao liberalismo é tão fake quanto os efeitos da cloroquina no combate à Covid 19. Subiu no cavalo de Paulo Guedes porque era o único disponível naquele momento, passaporte capaz de lhe emprestar alguma credibilidade nos mercados que se lixavam do besteirol de kit gay e outras baboseiras.
A força com que, em 2022, recorreu aos fundos públicos para tentar viabilizar sua reeleição também mostrou que sua paixão pelo liberalismo rivaliza com a que sente pela democracia.
Grande comunicador, político capaz de perceber sentimentos escondidos pelo eleitorado, Bolsonaro foi a aposta disponível num momento de profunda crise do PT e da esquerda em geral. Líder carismático, cultivou uma fidelidade de padrões menos políticos e mais religiosos, a história do "Mito", alguém além das picuinhas terrenas.
Essa sua capacidade evitou que os tantos escândalos a ele atribuídos — as velhas rachadinhas, intromissão na Polícia Federal, tentativa de golpe, apropriação indevida de joias, divulgação de mentiras sobre urna eletrônica — fossem relevados pelos seus fiéis seguidores. Na era das redes sociais, informações são recebidas, principalmente, para confirmar percepções, não para mudá-las.
A parada do Trump, porém, mudou boa parte dessa adulação. Ao colocar seus interesses pessoais acima dos nacionais, Bolsonaro mandou pra escanteio a primeira afirmação do mote que coloca o Brasil acima de tudo. Deus, por enquanto, continua acima de todos, mas sabe-lá o que o Capetão Laranja poderá exigir em nova rodada de chantagens.
De mancada em mancada, Bolsonaro, aos poucos, deixa de ser mito para correligionários, que começam a pensar em como fazer para se livrarem de um cara que é muito bom de voto, mas péssimo na parceria em torno de projetos que não priorizem a sua própria família.