Por: Fernando Molica

Tarcísio de Freitas e as pernas trocadas de Jânio Quadros

Presidente Jânio Quadros troca as pernas a caminho de encontro com presidente argentino | Foto: Erno Schneider/Agência Senado

Uma clássica foto de Jânio Quadros ajuda a ilustrar as idas e vindas do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), no caso do tarifaço imposto por Donald Trump.

A imagem, feita pelo fotógrafo Erno Schneider, traduzia as incoerências do então presidente da República — cada uma das pernas do político apontava para uma direção diferente.

Assim como Jânio ao longo de seus sete meses de governo — renunciaria em agosto de 1961 —, Tarcísio demonstra não saber bem para onde ir desde que Trump resolveu fazer o Brasil de refém.

O governador ora embarca no coro que responsabiliza o governo brasileiro pela chantagem norte-americana, ora prioriza os interesses do empresariado paulista, o mais prejudicado pelas medidas anunciadas.

Há muito tempo que Tarcísio, pré-candidato não declarado à Presidência, vinha tentando um equilíbrio impossível entre o radicalismo bolsonarista — que exige uma fidelidade total e absoluta de seus aliados — e uma certa racionalidade pregada pela elite do empresariado, a que ressalta o discurso liberal desde que sejam mantidas as tradicionais benesses estatais.

Ele buscava conciliar a fidelidade ao seu padrinho político, Jair Bolsonaro, com a construção de uma imagem própria, a de um administrador moderno, afinado com princípios mais razoáveis do conservadorismo. Assim, acendia uma vela para o capitalismo privatista e orava no altar erguido para clamar pela liberdade dos golpistas. 

A aposta no precário equilíbrio tinha o objetivo de, ao mesmo tempo, garantir os essenciais votos bolsonaristas e o apoio de uma elite econômica infiltrada no Congresso pelas artérias que irrigam os partidos do Centrão. Tarcísio, então, tratou de dançar o bolero na base de passos incertos pra lá e pra cá.

Assinava acordos com o presidente Lula e ia — de azul, não de amarelo bolsonarista — a manifestações na Avenida Paulista. Seus passos, volta e meia contraditórios, geravam críticas dos dois lados; era visto como radical pela direita mais chegada ao centro e como moderado pelos carcarás bolsonaristas. Mas ele conseguia serguir em frente.

A crise gerada por Trump entornou o caldo e reforçou um ponto fundamental, que o governador fingia não ver: o clã Bolsonaro se move quase que exclusivamente por seus próprios interesses; na hora de a ema tomar cloroquina, seus representantes desprezam questões mais amplas, relacionadas a visões de país.  Nesses últimos meses, a família tem demonstrado apenas a preocupação de evitar que o ex-presidente seja preso.

Tarcísio sabe que as críticas de Trump vão muito além das questões judiciais que ameaçam Bolsonaro e restringem abusos de grandes plataformas da internet; sabe que o grande problema ameaça está relacionado ao fortalecimento de um bloco econômico independente, que tem o Brasil como destaque e a China no alto do pódio.

Sabe também que o pagamento do resgate que, segundo os Bolsonaros, é exigido por Trump — a anistia ampla aos golpistas — seria humilhante para o Brasil e não resolveria a questão fundamental. Como governador, ele precisa defender os interesses de seu estado, o que passa pelo estabelecimento de conversas com o governo federal e exportadores.

Assustado com a repercussão negativa de seu aval a Trump, ele tentou um voo solo, encontrou-se com o representante dos Estados Unidos no Brasil, e apanhou muito dos bolsonaristas, tudo que eles não querem é uma saída que exclua a impunidade do chefe do clã. Exigem que Tarcísio bote o boné trumpista de volta no mesmo lugar.

Como na piada do meio futebolístico, Tarcísio fez que ia, não foi — e acabou "fondo". Na ressaca das críticas do empresariado e do bolsonarismo, deixou de olhar pra frente, trançou as pernas, confundiu as direções —  e corre o sério risco de tomar um tombo. Demonstra ter esquecido um velho ditado de sua terra natal: malandro demais se atrapalha.