Por: Fernando Molica

'Dependência ou morte': o projeto de um Brasil porto-riquenho

Cena do filme "West Side Story" | Foto: Divulgação

Declarações de alguns bolsonaristas indicam que, para eles, o Brasil deveria imitar Porto Rico e se transformar em estado livre associado aos Estados Unidos. Assim, formalizaria sua dependência aos norte-americanos e abriria mão de qualquer gesto soberano que pudesse irritar o país de Donald Trump.

Assim que o tarifaço norte-americano foi anunciado, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), jogou a culpa no presidente Lula (PT), que, na reunião do Brics, ousara verbalizar uma maior aproximação com países como a China e repetiu a proposta de diminuição da necessidade do uso do dólar como moeda do comércio internacional. 

É evidente que cada gesto no delicado campo das relações entre nações tem que ser medido, principalmente quando estão em jogo relações com potências como os EUA. Mas isso não quer dizer que o o Brasil tenha que se conformar com um papel de submissão absoluta, obrigado a pedir autorização para  fazer movimentos mais ousados. 

O grito "Dependência ou morte" da extrema direita fica ainda mais caricatural por estar atrelado a um interesse pessoal do ex-presidente Jair Bolsonaro, o de não ser preso. Foi para tentar manter o pai livre que o deputado licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) foi morar nos EUA.

Ele não tomou a decisão para tentar barrar uma aproximação com a China comunista. Tanto que sua jornada por lá é financiada pelo próprio pai, não por alguma associação ligada à defesa das ligações entre nosso país e o de Trump.

Eduardo aceitou servir de disfarce do do grande interesse do governo norte-americano — o de impedir que o chamado Sul Global construa relações políticas e comerciais que não tenham que passar por Washington ou Nova York. Não foi à toa que o chilique tarifário de Trump ocorreu assim que foi encerrada a reunião do Brics; Bolsonaro entrou como Pilatos no credo do império que decidiu contra-atacar.

Eduardo não vacilou ao chegar ao extremo de pedir ao povo brasileiro que agradeça Trump pelas medidas que ameaçam a renda e empregos em nosso país e ainda clama pela aplicação da lei que permite ao governo norte-americano punir cidadãos estrangeiros, no caso, o ministro Alexandre de Moraes, do STF.

O deputado licenciado quer que a maior das potências interfira diretamente na vida de seu próprio país. Uma manifestação de viés sadomasoquista que remete à Síndrome de Estocolmo (a história de um sequestrado se afeiçoar ao seu algoz) e que reabilita o princípio formatado pelo então presidente argentino Carlos Menem, para quem seu país deveria ter "relações carnais" com os Estados Unidos. Sabemos os danos que tamanha intimidade já causou na América Latina. 

Eduardo propõe, na prática, a relativização da nossa independência brasileira. Lá pelo início dos anos 1960, a direita brasileira, associada aos EUA, falava que nosso país corria o risco de se transformar numa versão gigantesca de Cuba que, no pós-revolução, aderira ao socialismo. O medo então disseminado serviu de pretexto para o Golpe de 1964.

Hoje, a extrema direita toma como modelo outra ilha caribenha, Porto Rico, colônia que sequer integra o colégio eleitoral responsável pela escolha do presidente dos EUA. Os habitantes de lá elegem um "comissário residente" para a Câmara dos Representantes na capital norte-americana, um parlamentar que não tem direito a voto.   

Eduardo, que outro dia ressaltou o poder bélico e econômico dos Estados Unidos para ameaçar seu país, atua para que sejamos uma nova e — agora — bem-comportada versão dos Sharks, a gangue porto-riquenha de "West Side Story". Mas, na versão bolsonarista do clássico da Broadway e do cinema, o grupo de brasileiros aceitaria ser agredido pelos mauricinhos brancos que integram a Jets.