Minutos antes do jogo entre Botafogo e Atlético de Madrid, comentei com meus filhos, na arquibancada do Rose Bowl, que temia a possibilidade de o time voltar a jogar muito retrancado. Seria difícil repetir o grau de concentração exibido na vitória contra o Paris Saint-Germain, é complicado exercer qualquer atividade pensando quase exclusivamente em não errar — a busca de algum prazer é essencial, gera a perspectiva de alegria, de desprendimento.
Deu no que deu. Aos 41 do segundo tempo, Griezmann achou um gol, o Atlético venceu o jogo, ainda que por um placar insuficiente para evitar sua eliminação. O então técnico do Botafogo, Renato Paiva, demonstrou, na partida seguinte, que não aprendera a lição, e voltou a escalar o time comprometido com a lógica do não cometer pecados: acabou expulso do paraíso da Copa do Mundo de Clubes e ainda ficou sem emprego.
Ainda em Los Angeles, lembrei de um texto que Arnaldo Jabor publicara na Folha de S.Paulo em 1992, ao comentar o show de João Gilberto, com participação de Tom Jobim, no Theatro Municipal do Rio (eu estava lá, chegara a, disfarçado de publicitário, cobrir o início do ensaio desses dois grandes nomes da arte brasileira).
O show foi marcado pela tensão, havia o medo de João arrumar um pretexto para não se apresentar. Enquanto ele cantava, um problema qualquer no sistema de som gerou um barulho como uma explosão, e todos ficamos apavorados com a possibilidade de o genial baiano tirar o time de campo. Ao comentar a noite, Jabor disse que o medo de errar fez que esse e outros erros ocorressem: "Arte precisa de mais tranquilidade", concluiu.
Ontem, o amigo Marcelo Barreto foi na mesma linha: em sua coluna em O Globo, frisou que, de uns tempos pra cá, em busca de um padrão absoluto de eficiência, exige-se de cada jogador o máximo de seu rendimento, um time tem que pressionar o adversário o tempo inteiro. Com isso, escreveu, o futebol é "exaustivo para quem joga e para quem vê"; mais grave, deixou de ser jogado "no ritmo da vida", aquela história de ora atacarmos, ora nos defendermos.
É complicado jogar — e viver — assim. Claro que procuramos evitar erros, que buscamos o acerto, o gol, mas não dá pra evitarmos todos os tropeços. Da Copa, guardaremos momentos geniais, como o gol do Igor Jesus contra o PSG, a defesa do Neuer no chute do Luiz Araújo, do Flamengo, o voleio de Mbappé ao marcar contra Borussia Dortmund. Mas também não esqueceremos a falha bisonha do Weverton que custou a eliminação do Palmeiras, um erro que aponta para os frangos que tomamos ao longo de nossas vidas, que resgatam nossa humanidade.
Lembro que Romário costumava fazer o sinal da cruz até quando perdia um gol. Sei lá de seus motivos, mas sempre achei que ele — que sempre se divertiu muito ao exercer seu ofício — assim reconhecia que o importante era estar ali, no campo, território em que colecionava muito mais acertos do que falhas.
Não dá pra barrar a evolução física e tática do futebol e seu permanente diálogo com o mundo que o cerca. Mas é sempre bom lembrar que, no fim das contas, tudo não passa de um jogo — e, vale o ensinamento de Romário, importante mesmo é jogar, de preferência, com alguma alegria.