Por: Fernando Molica

Ninguém coloca o sino no pescoço de Bolsonaro

Ex-presidente evita definir candidato da direita | Foto: Lula Marques/Agência Brasil

A direita ampliada, que inclui o Centrão, tem tudo esquematizado para a eleição presidencial de 2026. Mas, como na fábula atribuida a Esopo e La Fontaine, aquela em que ratos bolaram um plano para controlar o gato, só falta saber como pendurar o sino no pescoço do felino — ou seja, quem vai contar pra Jair Bolsonaro que ele é mesmo carta fora do baralho. 

Bolsonaristas comemoraram muito a admissão, pelo ex-presidente — inelegível por decisão da Justiça Eleitoral —, de que poderá não ser candidato no ano que vem. Também festejaram o fato de o favorito da direita, Tarcísio de Freitas, ter sido o único governador autorizado a discursar no esvaziado ato da Paulista.

Bolsonaro, que de bobo não tem nada, administra com cuidado a tensão pré-eleitoral dos aliados. Na ponta direita, joga de olho no relógio: faz que vai e não vai, ameaça sair por um lado, move o corpo, mas fica no mesmo lugar, e toca a bola pro lado.

Sabe que seu peso político diminuirá na hora em que passar o bastão de comando para Tarcísio ou para qualquer outro; é capaz até de alguém esquecer de comprar o leite condensado para seu café da manhã.

Como mostrou ontem a coluna Correio Bastidores, o plano da direita é tido como infalível. Mas correm o risco de ficarem como os que Cebolinha arquiteta contra a Mônica. Em tese, Bolsonaro admitiria que será condenado e preso, abençoaria Tarcísio, colocaria a mulher ou um filho de candidato e exigiria do escolhido ao Planalto o compromisso de assinar um indulto que devolva sua liberdade e seus direitos políticos. Só falta combinar com o russo; no caso, o ex-capitão.

A minuta eleitoral está pronta. O problema é que Bolsonaro, assim como agiu em relação à trama golpista, não quer saber de assinar o documento. Dono de um capital político importante, Bolsonaro cozinha a expectativa de aliados em fogo bem brando, sabe que, sem seus votos, seria muito mais difícil para Tarcísio ou qualquer outro vencer a disputa contra Lula.

Bolsonaro não tem qualquer compromisso com a direita ou com quem está ao seu lado,  não joga para o time. Ainda por cima, cultiva uma desconfiança crônica, está sempre atento para sinais do que classifica de traições. Ao longo de seu mandato, não vacilou em defenestrar todos os que, para ele, poderiam lhe aplicar uma rasteira.

Ele ouve muita gente, mas, na hora do vamos ver, decide de acordo com sua aguçada sensibilidade. Foi assim que, contrariando todos os manuais de marqueteiros, construiu sua improvável e vitoriosa carreira política. Não abriu mão de suas convicções nem mesmo quando ficou evidente seu erro de não transigir em relação ao negacionismo que cultivou ao longo de toda a pandemia.

A teimosia, porém, gera problemas. A definição de um candidato forte de oposição é importante para o fechamento de acordos nacionais e regionais. Gestor do estado mais poderoso, Tarcísio não pode esperar até abril do ano que vem para definir seu destino. O mesmo vale para outras dezenas e até centenas de políticos e para o povo da grana, aquele pessoal conhecido pela alcunha genérica de "mercado". 

Dono do PL, Valdemar Costa Neto não quer saber de, nesse momento, pressionar seu quadro mais valioso. Foi graças a Bolsonaro que sua agremiação conseguiu a maior bancada na Câmara, e, consequentemente, a maior fatia de verbas destinadas a partidos.

O ex-presidente está para o PL assim como Neymar está para o Santos: tem gerado mais problemas do que soluções, volta e meia baixa no departamento médico, mas é, de longe, o craque do time.

Resta à direita definir o tempo que topa esperar. A julgar pelo que houve na trama golpista, Bolsonaro ainda deverá ficar no vai-não vai por algum tempo. Quem se precipitar e invadir o campo correrá o risco de tomar cartão vermelho. Ele é dono da bola e não vai vacilar em atacar quem tentar colocar o sino em seu pescoço.