O Brasil tende a fazer com que o atual presidente da República dispute a reeleição ocupando, na prática, o posto de líder da oposição.
A frase parece não fazer sentido, mas ajuda a traduzir algo inusitado: Lula representa hoje um presidencialismo acuado, que tenta resistir ao poder representado por um parlamento que lhe é francamente hostil.
As sucessivas conquistas obtidas pelo Congresso graças à fraqueza dos presidentes Dilma Rousseff, Michel Temer e Jair Bolsonaro criaram uma novidade institucional: o parlamentarismo irresponsável.
Não se trata de colar em deputados e senadores a pecha de levianos ou insensatos, o problema é outro. Encarregado de executar boa parte dos recursos públicos, o Parlamento, porém, não tem a menor responsabilidade sobre as consequências fiscais de seus atos. Quaisquer problemas cairão no CPF do presidente da República.
No parlamentarismo, partidos que formam a maioria são responsáveis pelos atos e eventuais desatinos do governo. Eles mandam no país, escolhem o primeiro-ministro, têm papel decisivo no gabinete. Se o país quebrar, o problema é de todos eles que pariram o chefe de governo — os deputados que embalem seus pimpolhos.
No semipresidencialismo brasileiro, essa contribuição nativa à ciência política, a maioria dos partidos que integra um governo não tem a menor responsabilidade sobre seus problemas. Suas excelências aprovam isenções fiscais, destinam verbas e mais verbas para a Codevasf da vez, aprovam incontáveis rolagens de dívidas de estados e municípios. E, depois, mandam a conta para o Executivo.
Além disso, agremiações que mandam em ministérios têm o direito de se articularem com os futuros adversários de seu chefe. Uma espécie de traição autorizada, não há problema nem em usar o sofá da sala.
Criou-se por aqui, uma adaptação institucional à lógica adolescente do Papai, me empresta o carro — o prazer será do rapaz ou da moça, mas o combustível e as eventuais multas serão bancadas por seus pais. Os parlamentares usam a bicicleta, mas as pedaladas caem na conta do presidente.
Integrantes do Legislativo chegam ao ponto de cometer absurdos como o aumento no número de deputados federais ao mesmo tempo em que cobram cortes de despesas; isto, sem ao menos declinarem que áreas deverão ser prejudicadas.
Não cometem o suicídio de defenderem limitação de reajustes de salário mínimo ou aposentadorias e nem cogitam mexer nos rendimentos de juízes, militares e integrantes do Ministério Público.
Saudoso dos tempos analógicos, perdido no universo digital, dono de uma base parlamentar mais fictícia do que o trem-bala entre Rio e São Paulo e tão segura quanto os balões que matam turistas em Santa Catarina e em São Paulo, Lula não aceitou imitar Bolsonaro, que entregou o governo para o Centrão.
Neste novo mandato, Lula parece encarnar o mágico que, numa festinha infantil, descobre que as crianças conhecem todos os seus velhos truques, agora incapazes de provocar exclamações e aplausos. Tira sucessivas carteiras de trabalho da velha cartola e provoca tédio de uma plateia que pilota motocicletas de entrega e acha que vai virar Elon Musk assim que terminar a leitura das picaretagens alardeadas nos cursos de Pablo Marçal.
Acuado por integrantes de seu próprio governo, incapaz de conseguir fazer o Congresso adiantar uma grana para quitar as contas, Lula se viu obrigado a transformar o Planalto em trincheira da oposição a um parlamento que, como bem resumiu Bolsonaro, manda mais que o presidente.
Num país em que aliados conspiram contra ele, o Legislativo executa e o Judiciário legisla, Lula correu pra galera para tentar resgatar da direita a imagem de ser o contra tudo que esta aí — contra até mesmo partidos que integram seu governo.