O sucesso de público dos recentes eventos literários no Rio e em São Paulo revela que a queda no número de leitores no Brasil (atestada pelo mercado editorial) não está relacionada ao livro em si, mas aos nossos tradicionais obstáculos educacionais, sociais e econômicos. São barreiras que precisam ser superadas pelo esforço da sociedade e do Estado.
Essas grandes feiras cumprem um papel fundamental ao ajudarem a colocar livros e autores ao rés do chão. Num país que ainda hoje exibe taxas vergonhosas de analfabetismo e de analfabetismo funcional, livros são quase sinônimos de exclusão, objetos associados a uma determinada elite, inalcançáveis. Traduzem mais uma opressão do que uma possibilidade de encantamento.
A própria associação entre livros e um determinado conceito de cultura (no sentido mais pesado da palavra) contribui para o afastamento de um público mais amplo. Isso dá um peso excessivo às publicações, delas retira o componente de prazer, de diversão, de parceria, de descoberta, de emoção, de aventura.
A ambientação de muitas de nossas melhores livrarias é acolhedora apenas para os leitores tradicionais, chega a ser hostil à grande parcela da população que não tem o hábito de frequentá-las. São pessoas que nelas se sentem como ateus num templo religioso, reservado para alguns escolhidos.
A realização de eventos literários em áreas públicas e em parques de exposição alivia o caráter intimidatório de livrarias, é como se o público se sentisse autorizado a caminhar descalço entre as estantes.
A informalidade das conversas permite um contato direto com os autores, retira deles uma indevida aura de pessoas dotadas de conhecimentos mágicos e superiores.
O problema — e aí entra o Estado — é permitir que essas festas sejam incorporadas ao cotidiano dos cidadãos. Isso passa pela compra e distribuição de livros para escolas e bibliotecas, pela formação de profissionais — bibliotecários, professores, agentes comunitários — capazes de ajudar novos leitores a descobrirem as infinitas possibilidades oferecidas pela leitura.
Orientadores que conheçam nossos clássicos e que estejam atualizados com a produção contemporânea, que dialoga com dilemas e possibilidades de nosso dia a dia.
Pessoas despidas de preconceitos de viés moral e religioso, já que a boa ficção não é feita para reiterar certezas, dar lições de bom comportamento, para apresentar respostas, mas para dialogar com nossas dúvidas, entreter, provocar, gerar questionamentos, possibilitar encontros com aqueles que consideramos diferentes.
Fruto de uma tecnologia simples e que resiste aos séculos, livro é portátil, não precisa ser ligado na tomada, é compartilhável, faz companhia no transporte, na praia e no bar.
Livro, os eventos mostram isso, é pop, mas precisa de ajuda para ganhar ainda mais as ruas, para transbordar os limites das feiras literárias.