Por: Fernando Molica

Derrota faz com que governo procure mostrar sua cara

Lula foi obrigado a recuperar o discurso de pobres contra ricos | Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil

A goleada imposta pelo Congresso permite ao governo tomar a decisão de, a exemplo do que foi feito pela direita bolsonarista, encarar de frente discussões de caráter mais amplo, mostrar sua cara, seu lado preferencial. A surra tomada no caso do IOF reforçou o erro do Planalto de insistir em jogar na casa do adversário, com as regras por este impostas e sempre modificadas.  

Até aqui, Lula vinha tentando repetir a fórmula de seus primeiros mandatos, quando implantou programas decisivos enquanto saciava com cargos, tolerância e vista grossa a fome do Centrão. Um processo de aliciamento e de compra de votos que contaminou setores importantes do PT e redundou no Mensalão, o primeiro grande escândalo a macular a imagem do partido.

Os tempos, porém, mudaram. Tal como nas lendas medievais, o dragão que habita o Congresso passou a exigir mais e mais para não incendiar a cidade — isso, enquanto articula um incêndio decisivo em 2026.

Implantadas pelos parlamentares durante o governo Dilma Rousseff e ampliadas e consolidadas no mandato de Jair Bolsonaro, as emendas de execução obrigatória mudaram o eixo do poder real: como em qualquer casa, manda quem tem dinheiro.

Como gostam de ressaltar os parlamentares, antes, eles é que iam de ministério em ministério mendigar verbas para essa ou aquela prefeitura, para esse ou aquele programa. De uns anos pra cá, ministros é que pedem emendas para os deputados e senadores.

A tentativa lulista de reimplantar o protagonismo do Planalto com base nos velhos tempos permite mais uma metáfora relacionada ao 7 a 1: depois do fiasco de Dunga em 2010, a CBF tentou repetir a mágica de 2002 e chamou de volta Felipão para comandar a seleção em 2014. O truque deu errado, a Família Scolari foi repetida como farsa.

A atividade política é carregada de chavões e lugares-comuns que tentam disfarçar o óbvio — o tão enaltecido diálogo entre os poderes Executivo e Legislativo não passa, na grande maioria das vezes, de uma conversa centrada no atendimento de interesses pessoais ou corporativos, no toma lá, dá cá; na repetição infinita da versão degradada da Oração de São Francisco, aquela do é dando que se recebe.

O problema não está num suposto perfil conservador da grande maioria dos integrantes do Congresso; a maioria dos membros das duas casas não está nem aí para ideologias. O liberalismo, hoje tão enaltecido, é marcado por uma característica bem brasileira, que prevê a manutenção e ampliação de concessões e isenções fiscais para os amigos. Câmara e Senado são conservadores não no sentido político, mas na defesa de privilégios que marcam nossa sociedade.

Outro dia mesmo, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), defendeu a redução dos incentivos fiscais, impostos que deixam de ser pagos por alguns e que acabam sendo compensados pela grande maioria dos brasileiros. E o tema  — um rombo que, em 2025, deverá chegar a R$ 543 bilhões — acabou sendo por ele esquecido. Em tese, todos apoiam a medida, desde que o corte seja na carne alheia, um jogo de empurra que impede qualquer mudança. 

Especialista em buscar soluções conciliatórias, Lula vinha tentando não entrar nessa briga, o que contribuia para despolitizá-la. Como mostra a coluna Correio Bastidores de hoje, ele, ao ser chamuscado pelo fogo do dragão, mudou de postura e recuperou o discurso de pobres contra ricos. 

O presidente sabe, porém, que não será fácil. Em entrevista à Folha de S.Paulo, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou que o envio de um projeto de redução dos tais benefícios ficará para o segundo semestre, que o enxugamento será menor que o previsto. 

Derrotado na tentativa de repetir a velha estratégia, Lula tenta agora recuperar uma briga mais ampla, sabe que não tem muitas saídas, que precisa tentar recuperar um discurso de inconformismo que acabou capturado pela direita.