General da reserva, Augusto Heleno correu da raia na hora de depor, como réu, no processo que apura a tentativa de golpe de Estado. Optou por responder apenas perguntas de seu advogado — na hora do combate, preferiu continuar brincando como se estivesse num daqueles jogos de guerra, que simulam disputas entre exércitos fictícios.
Heleno, que chegou a general de Exército, a mais alta patente da força, atuou como alguns de seus aliados: o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) foi para os Estados Unidos sem ter sido indiciado pela Polícia Federal; condenada a dez anos de prisão, a deputada Carla Zambelli (PL-SP) fugiu para não ser presa; o general decidiu ignorar perguntas que seriam feitas, por, entre outros, o ministro relator do caso, ministro Alexandre de Moraes, e o procurador-geral da República, Paulo Gonet.
Na guerra judicial, Heleno não demonstrou ser o mesmo que, como ministro do Gabinete de Segurança Institucional, volta e meia lançava bravatas, inclusive na direção do Supremo Tribunal Federal. Em 2020, classificou de "afronta" a possibilidade de o STF apreender o telefone de seu então chefe, Jair Bolsonaro.
Não exibiu também o espírito de provocação que o fez, num encontro político, cantarolar a paródia de um conhecido samba — na época, afirmou que, se alguém gritasse "Pega Centrão", não ficaria um, mermão. No governo, porém, aceitou a companhia daqueles que ironizara.
Ontem, também ficou longe do militar que chefiou a missão militar nas Nações Unidas no Haiti. Num dos episódios mais marcantes da campanha, foi acusado por organizações de direitos humanos de ter usado violência excessiva num ataque, em 2005, à favela Cité Soleil, em Porto Príncipe. A operação chegou a ser classificada de "massacre".
Na ocasião, seu contingente teria disparado mais de 22 mil tiros — o número de mortos é estimado em 70. Heleno jamais perdoou o então presidente Lula por ter sido obrigado a deixar a missão e voltar para o Brasil.
Diferentemente do que ocorreu no Haiti, Heleno ontem jogou na retranca, não quis correr riscos, evitou disparar qualquer tiro. No embate com o STF, só aceitou brincar com o amiguinho. Na batalha para tentar absolver seu cliente, o advogado Matheus Milanez disse até não ter encontrado, nos autos do processo, a agenda de seu cliente apreendida pela Polícia Federal.
Na agenda, Heleno fez anotações que, de acordo com a Procuradoria-Geral da República, representariam "diretrizes" para um golpe de Estado. Entre outros pontos, o general registrou apontamentos sobre a necessidade de ser mantida a campanha contra as urnas eletrônicas. Ao STF, disse que o documento tinha caráter pessoal, e evitou tratar do nele havia escrito.
Ao fugir do confronto, Heleno fez valer um direito constitucional — o interrogatório é considerado pela legislação uma possibilidade que o réu tem para se defender, cabe a ele decidir se quer responder. Mas sua postura é incompatível com o próprio passado belicista e provocador.
Ao se recusar a responder perguntas que poderiam lhe causar constrangimento, o militar demonstrou receio do que poderia ser dito; impediu também o exercício do contraditório. E ainda fugiu de questões mais enfáticas sobre o que disse em reunião ministerial realizada em julho de 2022.
Na ocasião, o então ministro fez uma pregação compatível com um golpe de Estado: "Se tiver que dar soco na mesa, é antes das eleições. Se tiver que virar a mesa, é antes das eleições. Depois, será muito difícil que tenhamos alguma nova perspectiva", disse. No depoimento, ele afirmou que suas palavras tinham sentido figurado.
Apesar de todos os cuidados, o general escorregou ao ser perguntado, pelo próprio advogado, sobre defendera alguma ação ilegal. "Não havia oportunidade", admitiu, para desespero de seu defensor, que tratou de reformular a pergunta. Na ânsia de fugir da fuzilaria, Heleno deu tiro no pé; ao correr pra debaixo da mesa, acabou virando-a sobre si.