Por: Fernando Molica

Léo Lins não faz humor, justifica e banaliza a opressão

Lins afirma fazer humor ao ridicularizar vítimas de preconceito | Foto: Reprodução/Instagram/Léo Lins

As pessoas que criticam e as que elogiam a condenação de Léo Lins erram num mesmo ponto — o de classificar seu trabalho como humorístico. Não é razoável classificar de humorista alguém que procura fazer rir com frases que estimulam e reiteram a pedofilia, o racismo, a homofobia e a discriminação a pessoas com deficiência.

Não se trata aqui de uma defesa da sisudez e da falta de jogo de cintura. Rir é ótimo, benditos sejam os que enxergam e expõem situações ridículas e inusitadas. 

Humoristas gritam que o rei está nu, percebem detalhes ocultos, desafiam o poder, expõem a fragilidade dos quem fingem estar acima de todos.

Os militares desenhados por Millôr Fernandes, com suas fardas caricaturais, povoadas de medalhas e dragonas, são um bom exemplo disso. Humor, como já sabiam os bobos da corte, provoca, incomoda, gera gargalhadas no público e constrangimento naqueles que, graças às piadas, são obrigados a encarar sua própria face. 

Lins não apresenta nenhum novo olhar sobre nada, não explora ângulos inusitados, não se vale de boas sacadas, não provoca aqueles que se acham reis da cocada preta. 

Diante do microfone, ele apenas reitera ofensas em relação a pessoas que já são ofendidas, reproduz conceitos que buscam justificar o domínio de uns sobre outros. Pisa em quem já humilhado, bate nos que tanto apanham. 

Lins tenta provocar riso ao repetir estereótipos historicamente construídos com a finalidade de justificar formas de dominação. Frisa e repete a covardia consagrada por um senso comum criado e cultivado pelos que exercem o poder.

Para facilitar o processo de extermínio de judeus, publicações nazistas tratavam de apresentá-los de uma maneira ridícula e desumanizada — como se não fossem humanos, mas seres inferiores.

Isso permitiria que fossem perseguidos, espoliados, torturados e mortos. Usaram a mesma lógica de colonizadores europeus em relação aos habitantes dos territórios que invadiam.

Nesses casos, e como tantos outros, buscava-se um riso que viria não de uma observação original, de um questionamento, de uma tentativa de se ridicularizar o opressor.

O tipo de humor de Lins não tem graça, não exala coragem: é uma prática que não cutuca onças, procura chutar cachorros que estão ou serão mortos.

A questão não é de se policiar o humor, de reprimir risos provocados por determinadas piadas, o problema está em se achar graça de quem exalta o que temos de pior, que ressalta as limitações ou dificuldades de seres humanos.

Diante da repercussão de sua condenação, Lins alegou que, no palco, representa apenas um personagem — este sim, preconceituoso. O argumento seria até interessante, mas esbarra na própria lógica de um show que se apresenta como de humor. 

Não é incomum — como ressaltado aqui mesmo na semana passada — que, em suas obras, criadores apresentem falas e gestos de criminosos, que assim podem expor suas próprias razões, por mais condenáveis que sejam: o público que tire suas próprias conclusões. 

Mas Lins não tenta questionar valores e posturas, procura consolidar preconceitos. Ele não ridiculariza pedófilos, racistas, homofóbicos, reafirma seus valores. O que busca é um riso pusilânime, cúmplice dos que, na plateia, divertem-se com a transformação em espetáculo de seus ódios e ações, que vibram com a naturalização do que têm de mais odiento.

Lins provoca riso de escárnio, trabalha com a crueldade dos algozes que zombam do torturado que perde o controle do corpo e evacua no chão.  Busca o mesmo aplauso dos carrascos que gargalham diante do ateu que, no limite da dor, pede a Deus que o livre do suplício.