Por mais que queiram a condenação e prisão de Jair Bolsonaro (PL), o presidente Lula (PT) e aliados sabem que o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), será um adversário difícil de ser batido em 2026.
Ainda que se esforce para se mostrar fiel ao ex-presidente, Tarcísio transita numa faixa mais ampla, menos identificada com o ardor de viés religioso que cerca o ex-capitão. Não é à toa que partidos do Centrão vibram com a possibilidade de ter o governador como candidato — veem nele o nome capaz de manter o eleitorado de extrema direita, de agregar setores mais equilibrados e de personificar algo equivalente à quadratura do círculo, um bolsonarismo não radical.
Essa capacidade de Tarcísio é o que mais preocupa o Planalto. Seu perfil, em tese, tiraria a chance de Lula, a exemplo do que fez em 2022, apresentar-se ao eleitorado como alguém mais moderado que o adversário. Num país ainda polarizado, sai na frente aquele que demonstrar maior capacidade de aglutinar quem não está fechado com um lado ou com o outro.
A grande dificuldade de Tarcísio é de equilibrar uma suposta moderação com a necessidade de continuar a alimentar o ódio das hostes bolsonaristas, que tende a crescer com as prováveis decisões adversas do Supremo Tribunal Federal.
Até aqui, o governador tem conseguido fazer o papel do macaquinho que, segundo o grande João Saldanha, namorava a girafa: subia o pescoço da amada para sapecar um beijinho em sua boca e descia correndo para pegar numa de suas patinhas.
Visto com desconfiança pelos bolsonaristas-raiz, Tarcísio alterna momentos de civilidade — se reúne com Lula, assina acordos com o governo federal — com exibições de posições na linha pega-mata-come: mantém Guilherme Derrite à frente da secretaria de Segurança Pública, defendeu Bolsonaro no STF e marcou presença nos atos pró-anistia de acusados e condenados pela tentativa golpista.
A camisa azul da seleção brasileira usada pelo governador nessas manifestações exemplifica bem a dualidade. Ele fez questão de usar a vestimenta apropriada pela extrema direita, mas não em sua versão clássica, amarela. Como na velha canção, Tarcísio vestiu azul, o uniforme reserva, praticamente uma metáfora de sua situação no bolsonarismo.
A aposta é arriscada, mas ele parece não ter outra saída. Seria arriscado tentar procurar se mostrar como terceira via, a menos que Bolsonaro, impedido de disputar a eleição, force a barra para impor uma candidatura da família, a mulher, Michelle, ou o filho Eduardo.
Nesse caso, Tarcísio tende a optar pela busca da reeleição ao Palácio Bandeirantes, o problema será resistir às pressões para que, mesmo assim, aponte seu foco para o Planalto: por mais que não gostem de Lula, empresários, em especial do mercado financeiro, preferem não encarar um novo ciclo bolsonarista no comando do país.
Fiel aos seus princípios, o Centrão também rejeita a mulher e filhos do ex-presidente — detesta sustos, freios de arrumação e cavalos de pau; mudanças bruscas que prejudicam a tranquilidade necessária para a política e para os negócios. Graças à apatia de Bolsonaro para atividades-fim da Presidência, partidos do grupo conseguiram mandar no governo anterior, mas se sentiriam muito mais tranquilos num ambiente menos tensionado.
Até aqui, Tarcísio mantém o discurso de que vai se procurar renovar seu mandato de governador e trata de ajeitar alguns detalhes. Perdeu mais de 20 quilos, trata de levar a mulher, Cristiane Freitas, para participar de eventos. Sabe que a imagem de casal unido e feliz é importante numa eleição.
Como quem não quer nada, finge que acompanha a disputa pelo Planalto como quem come pipoca na arquibancada. Mas está pronto para entrar em campo — veste azul, mas, diferentemente do personagem da música de Ary Barroso, sabe que não pode botar fogo na camisa amarela.