Por: Fernando Molica

As complicadas comemorações público-privadas

CEO da iFood, Diogo Barreto, Paula Lima e Barroso | Foto: Reprodução/Instagram de Paula Lima

O presidente do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, e o senador Ciro Nogueira (PP-PI) renovaram, nos últimos dias, a interminável coleção de indesejáveis relações público-privadas que envolvem autoridades brasileiras e representantes do empresariado: pouco antes de tomar posse em seu terceiro mandato, o presidente Lula (PT) pegou carona no jatinho do empresário José Seripieri Filho, o Júnior da Qualicorp, para ir ao Egito e Portugal. 

Não contente em comparecer a um jantar — beneficente, que seja — na casa de Diego Barreto, CEO do iFood, o ministro ainda foi gravado, na festa, entoando "Garota de Ipanema" com o anfitrião e a cantora Paula Lima. 

Já o senador, segundo a revista Piauí e o jornal Folha de S.Paulo, viajou no jato do empresário Fernando Oliveira Lima, o Fernandin OIG, dono de empresas de apostas online. O passeio foi para que ele e o dono do avião acompanhassem de perto o Grande Prêmio de Mônaco.

O iFood é um dos maiores interessados em ação no STF movida pela Uber e que trata de eventuais vínculos empregatícios de trabalhadores de aplicativos. A empresa dirigida por Barreto consta no processo como "amicus curiae", amigo da corte, pediu para ser parte do processo.

A ação é um recurso contra uma decisão do Tribunal Superior do Trabalho que reconheceu o vínculo entre um motorista e a Uber. O julgamento pelo STF terá repercussão geral, ou seja, valerá para todos os casos semelhantes.

Fernandin, dono de casa de apostas virtuais, é um dos que exploram o Jogo do Tigrinho no país, e já depôs na Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado que trata das bets. Nogueira estava presente à sessão e até se dispôs a encontrar o empresário caso a CPI tivesse, mais uma vez, dificuldade de intimá-lo.

Fernandin é conhecido por ter asas generosas, seu tigrinho que abocanha economias de tantos brasileiros é gentil com os amigos. Em setembro do ano passado, foi a vez do ministro Nunes Marques, também do STF, pegar uma carona em seu jatinho para ir a uma festa do cantor Gusttavo Lima.

Seria leviano dizer que a presença de Barroso no jantar e a carona descolada por Nogueira terão consequências no trabalho deles. Mas esse tipo situação deveria ser evitada — autoridades não devem ter contato privilegiado com setores da sociedade que têm interesses diretos em suas atividades, e nem podem dever favores a ninguém.

Ontem, Barroso procurou justificar seu gesto e, ao mesmo tempo, ironizar seus críticos. Afirmou que o jantar foi organizado com o objetivo de conseguir de empresários recursos para financiar bolsas de estudos oferecidas pelo Conselho Nacional de Justiça para negros e indígenas que se preparam para o exercício da magistratura.

A causa é nobre, sem dúvida. Mas representa também uma grande chance para empresários se aproximarem do STF, de magistrados em geral e, até, de futuros juízes. A presença de Barroso no evento foi uma espécie de contrapartida à iniciativa empresarial — como costuma acontecer, o jantar não foi de graça.

Não é qualquer litigante que tem o privilégio de receber em casa o presidente da corte que decidirá algo tão relevante, capaz de determinar o futuro de uma atividade tão importante como a de motoristas e motociclistas que trabalham para aplicativos sem qualquer tipo de direito ou garantia.

Barroso certamente foi até lá movido pela melhor das intenções, mas é improvável que o CEO da iFood tenha promovido o evento de maneira generosa e desinteressada.

Pelo que se vê, as colaborações empresariais ao tal programa não são anônimas, os patrocínios ficam explícitos. Do jeito que foi criado, o apoio à iniciativa indica que tal mecenato é, principalmente, uma tentativa de empresas em cavarem um papel deturpado de amigos da corte.

No outro polo da ação no STF estão, entre outras entidades, a Central Única dos Trabalhadores, a Força Sindical e sindicatos de motoristas e motociclistas de aplicativos. Esse pessoal que, parafraseando Gianfrancesco Guarnieri, não usa black-tie, nem canta "Garota de Ipanema" em jantar beneficente.