Por: Fernando Molica

Grosseria com Marina revela também mudança na visão ambiental

Ministra Silva foi alvo de declarações agressivas | Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

O constrangimento imposto no Senado à ministra Marina Silva reflete a grosseria e o machismo de parlamentares e também mudanças importantes na percepção de pautas relacionadas ao meio ambiente. 

Há alguns anos, mesmo os maiores entusiastas do desmatamento evitavam expor de maneira explícita o que queriam — hoje, não têm nenhum pudor em expor a defesa da devastação. A aprovação, pelo próprio Senado, de mudanças na legislação ambiental indica que não há qualquer medo ou constrangimento de atacar nosso patrimônio natural. 

Ao longo do tempo, a causa ambientalista parece ter passado por um processo de desgaste como o do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Para uma parcela muito grande de brasileiros, os ambientalistas e o MST — e, de certa forma, a CLT — passaram a ser associados ao atraso, ao culto da pobreza, forças que assim impediriam o progresso e a prosperidade. 

Aos olhos de 2025 chega a parecer impossível que, há quase 30 anos, a personagem de uma militante sem terra tenha sido protagonista da então principal novela da Globo.

Uma mudança radical como a ocorrida em pouco tempo requer avaliações mais precisas, respaldadas em pesquisas antropológicas e de ciências políticas e sociais. Mas é impossível não reconhecer um cansaço com a expectativa de um futuro que nunca chegava, de uma riqueza que, geração após geração, mostrava-se impossível de ser alcançada.

As mudanças no mercado de trabalho arrebentaram com categorias fortes e organizadas, as lutas coletivas foram perdendo força e, mesmo, simpatia. A lógica coletivista da Teologia da Libertação, tão propalada por setores progressistas da Igreja Católica e tão atacada pelo Vaticano, perdeu força.

Mais importante passou a ser lutar por projetos individuais tão bem anunciados e representados por igrejas evangélicas nas quais o pecado é permanecer pobre: o pastor rico é exemplo de projeto a ser imitado.

Há 40 anos, participei de uma entrevista do então arcebispo de Havana, Jaime Ortega. Na época, Cuba ainda se beneficiava do apoio econômico da União Soviética, o que garantia à população acesso a bons serviços de saúde e educação e um padrão de vida compatível com o de uma classe média baixa.

Ao falar dos jovens, Dom Ortega disse que eles tinham ambições parecidas com as de adolescentes norte-americanos. Sem maiores preocupações com a sobrevivência, um jogo que lhes parecida jogado, queriam consumir, comprar jeans e Coca-cola. É provável que algo parecido tenha ocorrido por aqui.

Os ambientalistas exerceram um papel decisivo na nossa história recente, ressaltaram a necessidade de preservação, mas parecem ter falhado na tentativa de mostrar que preservação não é inimiga do progresso; que, pelo contrário, a manutenção de reservas naturais representa um ativo político e econômico fundamental para o país.

O discurso acabou sendo atropelado pelo mote da riqueza-já exibida pelo agronegócio, que, embalado por generosos subsídios, conseguiu se impor como sinônimo de modernidade, um modo de vida com repercussões até na trilha sonora que embala o país.

Pouco importa que, tantos séculos depois, o Brasil tenha voltado a ser fornecedor de produtos primários, que o grosso do agro seja voltado para a plantação de ração, não de alimentos. Ninguém parece se importar que o avanço desmensurado sobre matas comprometa o próprio futuro da atividade agrícola. 

Às vésperas da COP30, Marina Silva e a causa ambiental enfrentam um ambiente hostil, inclusive no próprio governo. O presidente Lula demonstra, no mínimo, uma postura dúbia: no exterior, fala em desenvolvimento sustentável; por aqui, revela incapacidade de tomar medidas compatíveis com seu discurso. Em breve, chegará à sua mesa o projeto de lei que desmonta a legislação ambiental, ele terá a chance de, com eventuais vetos, mostrar de que lado está.