Ao solicitar a abertura de inquérito contra Eduardo Bolsonaro, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, erra propositadamente o alvo: quem ameaça complicar a vida do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, é o governo norte-americano. Como não pode processar Donald Trump, focou no deputado licenciado.
Foi o secretário de Estado dos Estados Unidos, Marco Rubio, que afirmou haver uma grande chance de o governo Donald Trump usar a Lei Global Magnitsky para aplicar sanções contra Moraes.
Bastaria uma decisão administrativa para infernizar a vida do ministro, que seria impedido não apenas de entrar nos EUA como de possuir cartão de crédito de bandeira norte-americana — mais do que ser mandado pra Cuba, Xandão personificaria o país caribenho que, desde o início dos anos 1960 sofre um implacável bloqueio do poderoso vizinho.
É evidente que Eduardo, auto-exilado nos EUA, falseia informações sobre a atuação do STF, procura transformar em crimes medidas jurídicas e constitucionais tomadas para apurar a grave tentativa de golpe de Estado.
Ele faz questão de dizer que trabalha o tempo todo para tentar emplacar sua versão dos fatos e assim conseguir conseguir que uma potência estrangeira — a mesma que hoje dificulta exportações brasileiras — interfira em questões internas de seu país.
Chega a ser irônico que um dos representantes do grupo político que exalta a ditadura e torturadores se queixe de uma eventual falta de democracia no Brasil. Eduardo deturpa fatos, mas isso não configura coagir ou de embaraçar uma investigação criminal: não comete crime, apenas exerce seu direito de espernear, o tal do "jus esperneandi". Ele poderia ser processado, mas com base nos artigos que punem crimes contra a honra.
Em seu pedido de abertura de investigação contra o 03, o procurador-geral da República menciona artigo do Código Penal que pune quem use de "violência ou grave ameaça" para coagir pessoas envolvidas em um processo. Eduardo também é citado como suspeito de embaraçar a investigação "de infração penal que envolva organização criminosa".
O PGR sequer descartou a possibilidade de enquadrar o comportamento do deputado licenciado como tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito com emprego de violência ou grave ameaça.
Por maior que seja a identificação do trumpismo com o bolsonarismo e por mais amplos que sejam os contatos de Eduardo com o governo norte-americano, ele não tem poder de dar ordens nem no guarda de qualquer esquina dos EUA. O deputado licenciado apenas agiu como um garoto contrariado que faz queixa ao pai — no caso, ao paizão Trump.
Quem ameaçou Alexandre de Moraes — e, por extensão, as instituições brasileiras — foi o secretário de Estado dos EUA. Ele, e não Eduardo, é que brandiu a nova versão do sempre renovado e multifacetário Big Stick, o grande porrete renovado desde antes de Theodore Roosevelt.
A briga é com Rubio e, no limite, com Trump, não com o deputado licenciado. A tarefa, portanto, é do governo brasileiro, em especial, do sempre competente Ministério das Relações Exteriores. Cabe ao Itamaraty mostrar a legalidade do processo contra os responsáveis pela tentativa golpista.
Precisa evidenciar que a versão bolsonarista equivale à velha história do bandido que, ao ver frustrada seu crime, toma a iniciativa de gritar pega ladrão! para jogar na vítima a responsabilidade pelo que ele tentara cometer.
Ao focar em Eduardo, o PGR apenas reforça a ideia de perseguição, dá a ele o discurso de que até mesmo a denúncia de um suposto crime é capaz de gerar uma investigação no Brasil. Como bem disse o saudoso e genial Belchior (1946-2017), o deputado licenciado é, no caso, apenas o cantor. Não convém sacar a arma investigatória contra ele no meio do saloon.