Ao conquistar a presidência da Codevasf para um aliado, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), comerciante que não chegou a concluir o curso de ciências contábeis, deveria receber o título de doutor em ciência política.
Sua atuação chega ser didática, todos os dias ele ensina como deve agir um expert em política como ela é. É impossível dizer se ele se identifica mais com governos de direita ou de esquerda; pragmático, participa desse universo em busca de conquistas.
O que se diz no Congresso e no Planalto é que a nomeação de um protegido para mandar na Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba é retribuição pelo empenho de Alcolumbre em impedir que a CPMI do INSS seja um território ocupado apenas pela oposição.
No início, o presidente Lula (PT) até tentou arrancar de Alcolumbre o compromisso de não instalar a comissão de inquérito. Teve, porém, que se render ao fato político e aceitar sua criação - mas sem pressa. A instalação do grupo depende da leitura, em sessão do Congresso Nacional, de requerimento assinado por deputados e senadores.
Presidente também do Congresso, o senador pelo Amapá sequer marcou o dia em que isso acontecerá. O governo quer tempo para esfriar um pouco o caso, mostrar providências práticas para a opinião pública e recolher mais evidências de que a roubalheira no INSS correu solta também no mandato de Jair Bolsonaro.
O pedido foi devidamente negociado com Alcolumbre, que já conquistou o direito de mandar na Codevasp, aquela estatal que serve de entreposto para incontáveis emendas parlamentares - uma empresa pública que ninguém quer saber de privatizar. Dá muitos lucros para muita gente.
No sistema político brasileiro, órgãos públicos são grandes repassadores de benesses privadas. Não se cobra de um ministro ou do gestor de um determinado órgão políticas que sejam compatíveis com uma determinada visão de mundo ou com objetivos mais gerais de um governo.
A farra das emendas parlamentares detonou de vez decisões mais estratégicas, que vislumbrassem soluções amplas (como a transposição do Rio São Francisco) em detrimento de arranjos paroquiais (como a distribuição de caminhões-pipa). Diferentemente do que ocorre com pequenas obras, as grandes não podem ser atribuídas a determinado deputado ou senador, não têm dono, são menos rentáveis, inclusive do ponto de vista eleitoral.
A polarização política dos últimos anos consolidou posições mais à esquerda ou à direita. Os que defendem esta ou aquela posição fazem questão de destacar seus pontos de vista, de se diferenciarem do opositor, tratam de se engalfinhar por vias físicas ou virtuais.
O problema é que, no chão do Congresso, isso conta muito pouco. Ajuda na hora do discurso, das lives, dos acenos para os eleitores seguidores da mesma igreja ideológica. Mas o que conta mesmo são interesses mais concretos.
Cerca de 20% da Câmara se dizem de direita; a esquerda tem mais ou menos a mesma proporção. O grosso, porém, uns 60%, cultiva um viés conservador, mas está sempre atenta a oportunidades do lado oposto. Um arranjo, vale ressaltar, construído pelo eleitor, principal responsável pela consolidação do poder.
Presidente-dono do PL, Valdemar Costa Neto foi o fiador da entrada do empresário José Alencar na chapa do operário Lula em 2002, um acordo costurado com José Dirceu. Descobriu o caminho da direita bolsonarista por uma, digamos, questão de mercado - tantos votos não poderiam ficar soltos por aí.
Resolvida a parada da Codevasf, Alcolumbre poderá voltar a se dedicar a conquistar outros espaços, principalmente em agências reguladoras. Trava com o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, uma batalha de alta voltagem por nomeações no setor - uma disputa entre catedráticos.