Áudios encontrados no celular do policial federal Wladimir Matos Soares comprovam o risco que representa anistiar participantes do maior ataque à democracia brasileira desde o fim da ditadura.
As frases ditas por Soares, que está preso desde novembro, não deixam dúvidas sobre as intenções e métodos dos que tentaram dar um golpe de Estado e implantar um regime de exceção:
"A gente ia com muita vontade, a gente ia empurrar meio mundo de gente. Matar meio mundo de gente. Estava nem aí já, cara"; "A gente estava preparado para isso, inclusive. Para ir prender o Alexandre Moraes. Eu ia estar na equipe"; "Não ia ter posse, cara. Nós não íamos deixar, mas aconteceu. E Bolsonaro faltou um pulso pra dizer: 'não tenho general, tenho coronel, então vamos com os coronéis'. Era o que a tropa toda queria".
Em outros trechos, ele diz ter integrado uma equipe armada de operações especiais para defender Jair Bolsonaro que, segundo ele, foi "traído" pelos generais. O PF confirmou que o comando da Marinha participou da trama, algo já revelado pelas investigações.
Na denúncia contra Soares, a Procuradoria-Geral da República apontara que ele, que integrou a segurança do então presidente eleito, passou detalhes do esquema de proteção de Lula, disse que ele e sua equipe estavam prontos para defender Bolsonaro e "o palácio". Ainda chamou o delegado federal encarregado de coordenar a posse de "petista e baba ovo do Alckmin".
Não dá para dissociar o 8 de Janeiro às articulações e movimentações que precederam a invasão de sedes de poderes, a agressão a policiais, a depredação. Quem foi para a Praça dos Três Poderes naquele domingo sabia o que estava queria e o que fazia.
Não deixaram suas casas para participar de um ato pacífico ou para orar — saíram em passeata do acampamento criado para clamar por um golpe de Estado. Tanto que, em Brasília e em diversas outras cidades, as manifestações não ocorriam em praças públicas, igrejas ou diante de tribunais eleitorais, mas diante de quartéis, em áreas de segurança liberadas por comandantes militares. Casernas não costumam ser lugares preferenciais para quem quer falar com Deus.
Os áudios de Soares estavam conectados com os que gritavam pelo golpe. Ele demonstrou que se movia embalado pela mesma lenga-lenga dos que não aceitavam a derrota de Bolsonaro e a vitória de Lula.
Tudo se encaixa com perfeição, numa sequência didática que inclui a campanha contra as urnas eletrônicas, as ameaças, a liberação de compra de armas pela população, a não aceitação do resultado eleitoral, a articulação golpista, os bloqueios em estradas, os atos diante de quartéis, a violência em Brasília no dia da diplomação de Lula, a tentativa de explosão de um caminhão carregado de combustível. Por último, o 8 de Janeiro, tentativa desesperada de provocar um caos que geraria a colocação das forças armadas nas ruas.
O esquema só não deu certo porque Bolsonaro, numa atitude compatível com sua biografia, mostrou que é bom mesmo na hora de fazer bravatas. A resistência do Exército e da Aeronáutica foi também decisiva, ainda que reforçe a fragilidade de nossas instituições: uma democracia sólida não precisa de garantias militares.
A pregação de Soares reforça o tipo de discurso dos golpistas e contribui para afastar ainda mais a falsa ideia de houve uma união de idosos, religiosos que foram às ruas armados de exemplares da bíblia: as armas de que dispunham eram outras.
O que pregavam não era a salvação dos seres humanos, mas a danação da democracia, queriam ressuscitar os porões e a tortura. Diferentemente do que prega o cristianismo, queriam a guerra, não a paz. Que orem pelo perdão divino, e tratem de cumprir suas penas.