Por: Fernando Molica

Vaticano reforça o poder dos rituais

Uniforme da guarda suíça lembra fantasias de comissões de frente. | Foto: Official White House Photo by Adam Schultz

As cerimônias relacionadas à sucessão do papa Francisco e da rainha Elizabeth II mostraram a importância dos ritos — nem mesmo o mais obstinado ateu e o mais ferrenho republicano seriam capazes de ficar indiferentes aos deslumbrantes espetáculos proporcionados pelo Vaticano e pelo Palácio de Buckingham.

Diferentemente do que ocorre em ditaduras, armas e soldados não são protagonistas dos desfiles romanos e londrinos que inundam telas.

A força e a simbologia transmitidas nesses eventos vão muito além do que é demonstrado por canhões e carros blindados; o público não precisa ser confrontado com poderio bélico para acreditar que aqueles homens e mulheres com roupas esquisitas e extemporâneas exercem um poder transcendente.

É essa crença institucional — em Deus e/ou na monarquia — que dá credibilidade a eventos que poderiam parecer ridículos em sua imponência.

Cerimônias que, com exceção dos sempre dolorosos funerais, poderiam passar até por exibições como as das grandes escolas de samba cariocas (aqui entre nós, a farda da guarda suíça parece inspirada em fantasias de comissões de frente).

Chega a ser impressionante que, num mundo digitalizado — que desafia a tradição, que procura viver o futuro no presente —, exibições como as apresentadas no Vaticano e no Reino Unido gerem tanta repercussão.

Talvez, de maneira aparentemente contraditória, o que ocorra seja o inverso: a santificação do imediatismo, das imagens que sequer são impressas, é que ressalta a importância de rituais que atravessam séculos.

É como se aqueles idosos de batas vermelhas e os homens e mulheres coroados nos jogassem na cara uma tradução visual do que afirmou Chico Buarque em "Futuros amantes": não se afobe não, nada é pra já. A eternidade não tem pressa.

O papa, os cardeais, a Capela Sistina, a Basílica de São Pedro, as princesas e os princípes — uns mais certinhos e caretas, outros destrambelhados —, as carruagens, aqueles chapéus com penachos abrem margem para diferentes leituras.

Reafirmam uma absurda e preconceituosa hierarquia entre seres humanos (há uns santos e os nobres, nós seríamos a ralé) mas, ao mesmo tempo, renovam nossas fantasias que remetem ao sonho da eternidade.

Diante da TV, ficamos como crianças fascinadas pela decoração de sua festa de aniversário, nos sentimos como elementos daquelas maravilhas de cenário. Ritos, mesmo os mais discretos, fazem com que nos liguemos ao passado e tenhamos alguma expectativa de futuro.

Claro que esse tipo de cerimônia não é inocente, está relacionada com a preservação e renovação de poder, com a construção de mitos que, não raras vezes, procuram justificar atrocidades, a história está cheia de exemplos disso. Mas usar esses espetáculos com alguma moderação não nos impede de negar o fascínio que exercem.