Por: Fernando Molica

O universo paralelo de políticos brasileiros

Dani Cunha, filha de Eduardo Cunha, é autora do projeto | Foto: Vinicius Loures/Câmara dos Deputados

A aprovação, pela Câmara, do projeto que aumenta o número de deputados federais e o beicinho feito pelo PDT pela demissão de Carlos Lupi do Ministério da Previdência comprovam que a maioria dos políticos vive numa espécie de universo paralelo, os caras gravitam em torno de si.

Pouco importa que seja absurdo criar mais vagas na Câmara e que a gestão de Lupi tenha falhado na prestação de serviços e, a exemplo de anteriores, no combate a fraudes que lesaram aposentados e pensionistas. O que vale é aprimorar a privatização de espaços públicos.

O aumento de 513 para 531 do número deputados atende a, principalmente, interesses particulares, mas há também questões regionais. A adequação de vagas à população dos estados faria com que alguns perdessem representantes na Câmara — o Rio de Janeiro, entre eles. A adaptação deveria ser encarada como um fato normal e previsível, não como uma redução no número de vagas de uma empresa.

Diferentemente do que ocorre no Senado — onde estados e o Distrito Federal têm três cadeiras cada —, a Câmara deveria espelhar, proporcionalmente, o número de habitantes de cada unidade da federação. Por representar a população, esta é chamada de Casa do Povo, enquanto a outra é a Casa dos Estados. Essa divisão tinha o objetivo original de equilibrar poderes: caberia, por exemplo, ao Senado barrar interesses abusivos de estados mais populosos. 

A proporcionalidade na distribuição de cadeiras na Câmara foi bagunçada de vez em 1977, quando, para evitar o risco de perder maioria na Casa, o presidente Ernesto Geisel promoveu uma mudança nos critérios de preenchimento das vagas e deu maior peso a estados do Norte e do Nordeste, então redutos da Arena, partido da ditadura.  O estabelecimento de números mínimo (oito) e máximo (70) deputados faz com que um parlamentar de São Paulo represente cerca de 650 eleitores; o de Roraima, 72.

Mas suas excelências não estão nem um pouco preocupadas com essas minúcias, querem é manter seus empregos. Daí o apoio ao projeto apresentado pela deputada Dani Cunha (União-RJ), filha de Eduardo Cunha, aquele que, na presidência da Câmara, consolidou de vez a ideia de que a Casa existe, principalmente, para atender aos interesses de seus integrantes. 

Os defensores da proposta alegaram que haverá um acréscimo de despesas que consideram irrisório, R$ 64,6 milhões em salários, cota parlamentar e verbas de gabinete. Seguiram a tendência de considerar desprezível o gasto de dinheiro que não é deles, mas de todos nós. 

A experiência brasileira indica que o custo da mamata será bem maior: alguém vai falar na necessidade de construção de um anexo para abrigar novos gabinetes; outro vai lembrar que será preciso aumentar o percentual do orçamento dedicado ao pagamento das emendas parlamentares. Afinal, a farinha nada pouca terá que ser dividida por um número maior de bocas.

Já o PDT deveria concentrar esforços na defesa do ex-ministro que não se movimentou para acabar com um esquema que roubava aposentados e pensionistas. Seria injusto atribuir a Lupi toda a responsabilidade de uma armação que vinha de administrações anteriores, mas ele, ao deixar tudo como estava, mostrou-se, no mínimo, insensível.

Nessa história, vai ser difícil encontrar um inocente, aí incluídos todos os que ocuparam cargos de poder no INSS e se sentaram na cadeira de presidente da República. A autorização para entidades fizessem tais descontos dos segurados nasceu em 1991, no governo de Fernando Collor de Mello, e foi mantida por todos os seus sucessores.

A aprovação do projeto na Câmara e a grita do PDT ressaltam que a política brasileira atua como numa rodinha de linha de passe, um jogo de ganha-ganha em que o importante é não deixar a bola cair. Todos os participantes da brincadeira saem vencedores.