Por: Fernando Molica

Risco de atentado em show serve de alerta

Polícia impediu explosões de bombas durante show de Lady Gaga | Foto: Marcelo Piu/Prefeitura do Rio

O plano terrorista para causar explosões, tumulto e mortes na praia de Copacabana durante o show de Lady Gaga ressalta o risco de se normalizar a intolerância e o fanatismo; reforça a irresponsabilidade dos que defendem a desregulamentação das redes sociais, indica também o risco de não punir ou de anistiar os que agem de maneira insana e criminosa.

A descoberta prévia da trama pela polícia não pode amenizar a gravidade do fato. Não basta investigar e punir os responsáveis pela quase tragédia, a sociedade precisa encontrar formas para conter a disseminação de um ódio irracional que, estimulado por um viés de inspiração religiosa e salvacionista, serve de estímulo à atuação de criminosos.

Nos últimos anos, boa parte do país se deixou contaminar por uma forma de fazer política que prevê a eliminação dos adversários. Em 2022, o assassinato do petista Marcelo Arruda em Foz do Iguaçu (PR) pelo bolsonarista Jorge Guaranho foi mais uma evidência dos riscos que corremos num universo que não admite a possibilidade de convivência com os que pensam diferente.

Ao cometer um homicídio motivado pela opção ideológica da vítima, Guaranho escancarou o tamanho do buraco em que nos metemos. Ao se deixar contaminar pelo fanatismo, ele, além matar uma pessoa, comprometeu seu próprio futuro.

Não se trata aqui de defender o assassino, longe disso — ele foi justamente condenado a uma pena de 20 anos de cadeia. Ele teve tempo para pensar no crime que iria cometer, entre a intenção e o gesto chegou a passar em casa, e voltou ao local onde acabaria matando Arruda. Não há atenuantes para o homicídio.

Mas vale pensar numa espécie de responsabilidade compartilhada daqueles que, nos últimos anos, insistem em exaltar o ódio, a raiva, o destempero. Pessoas — entre elas, lideranças políticas — que parecem travar até mesmo entre os iguais uma batalha para ver quem é capaz de proferir maior número de ofensas e de promover mais agressões. Agem como religiosos em busca de adjetivos que desqualifiquem o demônio.

Esse tipo de insanidade virou banal, contaminou locais de trabalho e escolas, infiltrou-se no Congresso Nacional, com frequência palco de manifestações desrespeitosas, que desafiam o próprio limite da imunidade parlamentar.

Serviu também de combustível para os que, na sequência do resultado eleitoral de 2022, tentaram impor sua vontade, paralisaram estradas, pediram golpe na porta de quartéis e participaram da intentona de 8 de Janeiro.

O que eles fizeram ao invadir a Praça dos Três Poderes, agredir policiais e ocupar e depredar sedes de poderes foi muito além de uma simples destruição de patrimônio. Não apenas danificaram móveis e objetos de arte: agiram não para protestar, mas para derrubar um governo eleito e para que uma ditadura fosse implantada. 

Em nome de uma suposta liberdade absoluta, muitos atacam uma regulamentação de redes sociais, que, longe de qualquer tipo de censura, apenas estabeleça normas relacionadas ao processo de difusão de informações e punições para os que cometem crimes.

Ou será que alguém não considera criminosos os que induziram uma criança de oito anos a aderir a um suposto desafio que lhe levaria à morte? Redes sociais também foram usadas para a articulação do ato terrorista de Copacabana.

Todos somos livres para fazer e dizer o que queremos, desde que sejamos responsáveis pelas consequências de nossos gestos e falas. O que vale para o mundo real — como este artigo, impresso — tem que valer para o virtual.

O plano de atacar o público do show de Copacabana remete ao atentado do Riocentro, planejado e executado por militares em 1981. A não punição dos responsáveis pelo ato contribuiu para a manutenção de um forte viés golpista nas Forças Armadas, estimulou novas aventuras. O país não pode minimizar ou perdoar iniciativas violentas e covardes.