A roubalheira do INSS lembra a piada que narra a reação de um balconista de lanchonete ao ouvir a bronca de um consumidor espantado com a camada de açúcar no copo de seu suco. Diante do cliente que lembrara o pedido de não colocação de açúcar no copo, o funcionário respondeu: "Mexe não...".
Ao longo do tempo, diferentes governos adotaram a lógica do "Mexe não..." em relação a uma fraude óbvia, que deixava digitais por todos os lados, cujos operadores tinham nomes, endereços, CPFs, CNPJs e telefones conhecidos.
Quadrilhas que atuavam com a tranquilidade dos que se respaldam na certeza da impunidade. Sabiam que encarregados de acabar com a safadeza, imitariam o balconista da piada e repetiriam o mantra do "Mexe não...".
Como mostra hoje a coluna Correio Bastidores, a lei que permitiu o início da cobrança mandrake de aposentados e pensionistas é de 1991, quando o Brasil era presidido por Fernando Collor de Mello (o que foi preso na semana passada).
Desde então, passaram pelo Palácio do Planalto Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, Lula, Dilma Rousseff, Michel Temer, Jair Bolsonaro e, de novo, Lula. E a camada de açúcar continuou lá, no fundo do copo, imexível, para citar a palavra usada por Antônio Rogério Magri, ministro do Trabalho de Collor.
A situação ficou pior a partir de 2016, no governo Temer, quando a existência de desvios se tornou mais evidente. Em 2019, Bolsonaro editou uma medida provisória sobre a Previdência que, num dos seus artigos, estabelecia a necessidade de autorização anual para que os descontos fossem mantidos.
A bancada do PT foi a que mais reclamou dessa limitação, mas o coro foi engrossado por parlamentares também de partidos de direita, e a exigência foi esticada — teria que passar a ser cumprida em três anos, a partir de dezembro de 2021. Nova lei assinada por Bolsonaro protelou a tal confirmação e, depois, qualquer necessidade de renovação seria revogada.
A cobrança estapafúrdia foi mantida não por distração, mas por conveniência da maioria dos integrantes do universo político. O escândalo chegou a ser investigado pelo Tribunal de Contas da União, virou tema de reportagens, e nada. O ministro da Previdência, Carlos Lupi (PDT), não tomou uma providência sequer.
O presidente Lula (PT) trata de ressaltar que foi neste seu governo que a Controladoria-Geral da União e a Polícia Federal agiram para desmontar as quadrilhas que atuavam no INSS. O problema é que, ao longo de mais de dois anos, nenhuma medida administrativa foi tomada para impedir a continuação de uma roubalheira cuja existência não era ignorada. Durante todo esse tempo, Lula não meteu a colher no copo para mexer o açúcar acumulado na base do suco arrancado dos segurados.
O caso ajuda a, mais uma vez, mostrar um país montado na distribuição de privilégios e de favores, prática que, ao longo dos séculos, transformou a legislação numa espécie de inventário de jabutis, medidas que garantem a costumeira e tradicional privatização do Estado por diferentes grupos.
E tome de subsídios, de ampliação de isenções fiscais a igrejas, de estímulo a usinas termoelétricas movidas a combustíveis fósseis em projeto que tratava de energia eólica. De jabuti em jabuti, o Estado deixa pra trás a ideia de ser um ente capaz de buscar soluções coletivas para se transformar numa coleção de privilégios.
Não custa lembrar: o uso da palavra "jabuti" para definir essas maracutaias vem de um velho ditado popular: "Jabuti não sobe em árvore; se está lá, foi enchente ou mão de gente". A Praça dos Três Poderes não costuma sofrer com inundações, mas o que não falta por lá são mãos que, embora leves, são campeãs em levantamento de pesadíssimos quelônios.