Ao pedir à Justiça a apreensão do passaporte de Eduardo Bolsonaro (PL-SP), o líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (RJ), usa um argumento semelhante ao do deputado Barreto Pinto (PTB-DF) que, em 1946, defendeu — e conseguiu — a cassação do registro do PCB. Alegou que o partido estava a serviço de uma nação estrangeira, a União Soviética.
As queixas feitas pelo filho de Bolsonaro nos Estados Unidos carecem de fundamento, mas ele tem o direito de espernear, de reclamar do Alexandre de Moraes, de quem bem entender. Trata-se de uma iniciativa pessoal — é filho do principal acusado da tentativa de golpe — e política. Não faz tanto tempo, o hoje ministro do STF Cristiano Zanin, então advogado do presidente Lula, bateu tambor no exterior para protestar contra a Lava Jato.
Com o pedido, Lindbergh dá munição aos bolsonaristas que alegam que o direito à ampla defesa está limitado. Num processo de tamanha importância, o exercício do contraditório vai muito além dos autos, envolve conversas, articulações, mobilizações. A eventual apreensão do passaporte reforçaria argumentos dos que falam em poder desmedido do STF.
O líder do PT alega que Eduardo, em suas viagens aos EUA, tem difamado instituições brasileiras, procurado atrapalhar investigações feitas por aqui, infringe o artigo do Código Penal, que considera crime "Negociar com governo ou grupo estrangeiro, ou seus agentes, com o fim de provocar atos típicos de guerra contra o País ou invadi-lo".
Nada do que vazou sobre as atividades de Eduardo no exterior indica que, por lá, ele tenha fritado esse tipo de hambúrguer. Não daria para enquadrar qualquer de seus gestos nesse artigo, nem mesmo a tentativa de impedir que Moraes possa viajar para os EUA: se isso ocorrer, será uma decisão dos norte-americanos, restrita às próprias fronteiras.
Lindbergh pode pedir que as viagens de Eduardo sejam investigadas, que a Polícia Federal avalie se ele cometeu crime que mereça ser julgado. Mas não dá para falar em apreensão de passaporte sem prova incontestável de que o 02 tenha cometido atentado à soberania nacional. Na ditadura, bispos da Igreja Católica como Dom Hélder Câmara aproveitavam idas ao exterior para denunciar os crimes aqui cometidos.
A PF também poderia investigar Jair Bolsonaro que disse ter alertado a equipe de Donald Trump sobre questões internas brasileiras, do risco de o país se tornar uma Venezuela. O ex-presidente ainda falou que o problema do Brasil não iria ser resolvido internamente, mas com apoio vindo de fora. Como assim?
O gesto de Lindbergh serviu apenas para vitimizar o oponente e complicar o processo de escolha dos presidentes de comissões da Câmara. A eventual indicação, pelo PL, de Eduardo para a Comissão de Relações Exteriores pode soar como provocação, mas faz parte da briga política.
Sobre a história do PCB: em 1946, quando o partido estava numa rara legalidade, seu principal líder, o senador Luís Carlos Prestes, disse, com outras palavras, que ficaria ao lado da URSS numa eventual guerra deste país contra o Brasil.
Isso porque, segundo ele, o conflito só ocorreria em caso de "guerra imperialista" contra a pátria-mãe do comunismo. O PCB, na época, tinha o nome de Partido Comunista do Brasil, o que explicitava uma vinculação de viés internacionalista e reforçou o pretexto para a cassação do seu registro, o que ocorreria em 1947.
Não dá, quase 80 anos depois, para Lindbergh — que começou sua carreira no PCdoB, nascido de um racha do PCB — ressuscitar a mesma paranoia. Não pode colocar os EUA no lugar da URSS, posar de Barreto Pinto (que, em 1949, teria o mandato cassado ao se deixar fotografar de cueca) e, ainda por cima, equiparar Eduardo a Prestes.