Por: Fernando Molica

Bolsonaro apenas cumpriu o que prometera

Deputado Jair Bolsonaro em 2011 | Foto: Beto Oliveira/Câmara dos Deputados

Recorro a um samba de Moacyr Luz para questionar quem nega a participação de Jair Bolsonaro na trama golpista: estranhou o quê? Em sua carreira, ele defendeu ditaduras, fechamento do Congresso, golpes de Estado e assassinato de presidente da República — no caso, Fernando Henrique Cardoso.

Até pessoas que detestam Bolsonaro são obrigadas a admitir que ele, entre nós, foi o presidente mais parecido com o candidato. Chegou ao ponto de decepcionar bolsonaristas envergonhados que, em 2018, diziam, para justificar seu voto, que, no Planalto, o ex-capitão seria contido, teria mais juízo. Foi talvez o único caso na história em que eleitores torciam para que seu candidato não cumprisse suas promessas.

As articulações reveladas pela Polícia Federal e transformadas em denúncia pela Procuradoria-Geral da República mostram que Bolsonaro tentou cumprir a risca o que se comprometera a fazer, inclusive dar um golpe de Estado.

Em 1999, em entrevista à TV Bandeirantes, o apresentador perguntou ao então deputado federal: "Se você fosse, hoje, o presidente da República, você fecharia o Congresso Nacional?"

A resposta foi direta: "Não há a menor dúvida, daria golpe no mesmo dia. Não funciona! Tenho certeza que pelo menos 90% da população ia fazer festa e bater palma. O Congresso hoje em dia não serve pra nada, xará. Só vota o que o presidente quer. Se ele é a pessoa que decide, que manda, que tripudia em cima do Congresso, então dê logo o golpe, parte logo pra ditadura". 

Alguns bolsonaristas mais radicais poderão até reclamar da demora do então presidente de cumprir a promessa golpista — mas governos são assim mesmo, tendem a enrolar, alegar dificuldades, falta de orçamento e, no caso, ausência de parceiros mais decisivos.

De acordo com a denúncia do procurador-geral, Paulo Gonet, Bolsonaro tratou de preparar o terreno para o golpe ainda em 2021, quando as pesquisas começaram a refletir o favoritismo de Lula (PT). O ex-capitão, então, começou a bater tambor para a mentira de falhas na urna eletrônica, mais uma de suas fake news.

Não conseguiu emplacar o voto impresso nem mesmo num Congresso Nacional alimentado pela concessão de generosas emendas parlamentares:  é bem provável que suas excelências tenham lembrado que, em caso de golpe, perderiam o emprego assim que o Parlamento fosse fechado.  Deputados e senadores certamente não haviam esquecido que estavam incluídos na promessa feita na tal entrevista de 1999.

Segundo a PGR, Bolsonaro aprovou a parte do plano golpista que previa o assassinato de Lula, de Geraldo Alckmin e do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. De novo: estranhou o quê? Olha só o que o agora denunciado afirmou naquela mesma entrevista:

"Através do voto você não vai mudar nada nesse país, nada, absolutamente nada. Você só vai mudar, infelizmente, quando um dia nós partirmos para uma guerra civil aqui dentro. E fazendo um trabalho que o regime militar não fez, matando uns 30 mil. Começando com FHC, não deixando ir para fora, não. Matando! Se vai morrer alguns inocentes (sic), tudo bem."

Ao longo de 27 anos como deputado federal, Bolsonaro fez diversas outras declarações semelhantes, contou com a camaradagem de seus colegas parlamentares que não viram nas ameaças sequer uma evidente quebra de decoro parlamentar. O Ministério Público também deixou barato.Talvez muitos tenham duvidado daquele então visto como apenas folclórico integrante do baixo clero.

A leniência acumulada foi decisiva para colocar em risco a democracia e, mesmo, a vida de muitos brasileiros — não apenas daquelas três autoridades. Que, agora, a Justiça não cometa o mesmo erro, ninguém pode estranhar quem sempre foi tão explícito.