Em 1980, eu tinha 19 anos e chorei muito nos créditos finais de "Bye, bye Brasil", de Cacá Diegues. Convocado por Lorde Cigano (José Wilker), o sol nasceu entre as montanhas de uma estrada embalado pela música-tema do filme.
O verso final — "O sol nunca mais vai se pôr" — vinha acompanhado de uma dedicatória que ocupava toda a tela e que fez transbordar meu coração de estudante: "Ao povo brasileiro do século XXI".
Apesar da ditadura, havia muita esperança naqueles tempos. Lambíamos feridas, mas acreditávamos no futuro, na redenção, no sol que brilharia o tempo todo, tínhamos muitas fichas na mão.
Melhor filme de Cacá, que morreu na última sexta, "Bye, bye Brasil" fala de um país em transição, em que a modernidade da TV se impunha pelos sertões e esvaziava atrações como o caminhão mambembe da Caravana Rolidei, de Cigano e Salomé (Betty Faria). O chefe da trupe previa fracasso de público quando, ao chegar numa cidade, via antenas de TV — "espinhas de peixe" — espetadas nas casas.
A música de Chico Buarque ia na mesma linha, percorria a estrada musical traçada por Roberto Menescal para enfileirar sinais caóticos de um país imprensado entre o passado — roça, ventilador, parintins — e sinais trôpegos de um futuro calcado no que via como novo: patins, japonês, Bee Gees, usina no mar. A aquarela havia mudado, os velhos tempos estavam ficando pra trás, era preciso acelerar, bom mesmo era ter um caminhão, apesar das doenças adquiridas por aí.
Havia poucas certezas, o Brasil estava em transe. Em 1978, Cacá provocara a ira de parte da esquerda ao criticar o que chamou de "patrulhas ideológicas", setores exigiam uma produção artística explicitamente engajada — o cineasta antecipou a onda de cancelamentos que hoje vigora nas redes.
Em 1979, saídos das cadeias ou de volta do exílio, militantes iniciavam uma disputa ideológica que incluía revoluções comportamentais e visões críticas do socialismo real. Uma doença desconhecida punha freios à liberdade sexual ampla, geral e irrestrita. Um operário barbudo liderava greves que indicavam a possibilidade de uma democracia menos cartorial: o PT seria fundado no dia 10 de fevereiro de 1980, um dia depois, veja só, do lançamento de "Bye, bye Brasil".
Em meio a essa mistura política e cultural, Cacá nos trouxe uma possibilidade de país. Não nos entregou um modelo fechado de paraíso, mas um filme esperançoso, que não negava a existência de embates, de dúvidas, de quedas. Foi carinhoso e irônico ao apresentar a versão high tech da caravana que passara a ostentar um "y" em seu sobrenome, tentativa canhestra de imitação da grafia gringa.
Talvez o mais romântico dos nossos cineastas — está para o Cinema Novo como François Truffaut para a Nouvelle Vague —, Cacá não tinha vergonha de ter esperança, como mostrara no belíssimo "Chuvas de verão". Em tempos muito duros, ousara falar em alegria ao nos apresentar, em "Xica da Silva", a uma personagem negra, abusada e afimativa.
Hoje, num momento tão delicado de um país que tanto flerta com a brutalidade, a violência e o preconceito, que parece apostar no paroxismo, vale rever "Bye, bye Brasil". Mais que uma despedida, é um anúncio de futuro; incerto como a grafia de "Rolidey", mas aquecido por um sol que a gente teima em não deixar que se ponha.