Por: Fernando Molica

O Brasil queima suas fantasias e se aproxima do fim

Janela da fábrica de fantasias que pegou fogo no Rio | Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

O incêndio que destruiu material de três escolas de samba serve de metáfora para um projeto de Brasil que, esgotado, queima suas fantasias de felicidade e de expectativa de futuro. Estamos perto do colapso definitivo do projeto baseado na escravidão, na exclusão e no saque aos cofres públicos. 

Todos os dias temos sinais claros da falência desse modelo, é só andar pelas ruas e ver as notícias. Até hoje, e ao longo de pouco mais de 500 anos, o Brasil foi sendo mantido graças a uma combinação sórdida, que construiu uma das mais desiguais sociedades do mundo.

Uma estrutura mantida de pé com base no uso da força policial contra os mais pobres, com sucessivas ditaduras e graças a concessões pontuais que impediam uma ruptura, como a legislação trabalhista. Mais recentemente, a estabilização da moeda e a redução da pobreza ajudaram a segurar a onda. Mas sinais de naufrágio são evidentes.

É impossível o país resistir ao sempre renovado acordo de elites que impede um sistema eficiente e generalizado de educação pública, que não se envergonha de estimular um modelo de segurança pública fincado no assassinato de pobres (entre eles, policiais), que se orgulha de passar a boiada em florestas, que não se constrange em renovar ataques sistemáticos ao dinheiro público. O domínio de partes do território nacional por organizações criminosas, algo que só ocorre com a leniência ou cumplicidade do Estado, é outra evidência do caos.

Os casos que têm vindo à tona de desvios de dinheiro de emendas parlamentares tendem a se multiplicar caso a Polícia Federal, o Ministério Público e a Justiça tenham coragem e disposição para esmiuçar uma roubalheira aparentemente generalizada. Tudo indica haver uma sem-vergonhice institucionalizada, que, com o tempo, transformou as emendas num dos principais caminhos de desvio de dinheiro público, principal razão de ser de muitos dos protagonistas da política.

O mandato de Jair Bolsonaro teve ao menos a qualidade de mostrar a cara destrutiva e sem fantasias de um Brasil violento, grosseiro, inculto, orgulhoso de sua ignorância, que se refugia nos discursos patriótico e religioso para esconder o tamanho de seus ataques ao país. 

Mas são evidentes em praticamente todos os governos — municipais, estaduais e federal — os sinais da caricatura representada pelo bolsonarismo. Disposto a tudo para se manter no poder, o então presidente permitiu o orçamento secreto, que escancarou o mecanismo das emendas parlamentares.

Mas as concessões indevidas à Câmara e ao Senado vêm de longe, vale lembrar o que Fernando Henrique Cardoso fez para conseguir o direito à reeleição, o mensalão petista, a admissão de emendas obrigatórias por Dilma Rousseff, o tem que manter isso de Michel Temer. 

Qualquer prefeito, governador e presidente tem que fazer concessões indevidas ao universo político. Isso, quando não comanda os próprios esquemas. Acordos com a oposição tendem a não ser programáticos, costumam ser feitos para viabilizar malfeitos em troca de votos no Legislativo.

Não ter pra ter um país em que asfalto se esfarela nos dedos, que pontes caem por falta de manutenção, que crianças tomam balas na cabeça. em que a maioria da população vive e trabalha de maneira indigna. As péssimas instalações do prédio que pegou fogo demonstram o tamanho do descaso com trabalhadores que, ironicamente, preparavam a nossa maior e bela festa. Nossas fantasias viraram cinzas — e isso é literal.

Como a história não para e sempre dá um jeito de se renovar e de se recriar, talvez a queima e o desabamento do país abram caminhos para um futuro melhor. Mas não nos iludamos, vai ser duro e muito cruel.