Mais do que presidente dos Estados Unidos, Donald Trump atua como uma espécie de chefe de milícia. A exemplo dos colegas cariocas, o hômi impõe taxas aos produtos comercializados em seus domínios, ameaça invadir territórios alheios, seleciona quem pode entrar e sair de seu bunker.
Um repórter foi barrado em uma entrevista coletiva porque trabalha para a Associated Press, que se recusa a admitir um capricho do manda-chuva da, digamos, Irmãos Brancos do Norte (IBN), o de chamar Golfo do México de Golfo da América.
No Rio, os donos dos pedaços controlam o fornecimento de luz, internet, garrafões de água mineral e, caso clássico, botijões de gás. Donaldão, o Ruivo, prioriza aço e alumínio produzidos em sua área.
Diferentemente dos nossos milicianos, Donaldão foi eleito num país que desde sempre se achou no direito de dominar o mundo. A diferença é que, agora, o sujeito sequer disfarça suas intenções, trabalha na base do manda quem pode, obedece quem tem juízo.
Por aqui, as milícias, nascidas em berço policial, primeiro conquistaram suas áreas na marra e só depois partiram para uma ocupação organizada da máquina pública, venceram eleições para o Legislativo e, hoje, têm influência decisiva no universo político de muitos estados. Donos de grande parte dos votos de suas capitanias, negociam com governantes com base neste capital político.
Donaldão, primeiro tratou de ficar rico, de demonstrar que seu dinheiro poderia comprar prédios, jóias, mulheres. Por aqui, milicianos erguem edifícios residenciais e comerciais; definem quem pode morar em suas propriedades e impõem condições para quem quer vender produtos e serviços nas suas áreas.
O cara do norte vai na mesma linha, ainda que de maneira mais ampla — despacha quem não foi por ele autorizado a viver no seu país e trata de expandir seus horizontes imobiliários. Agora mesmo quer construir resorts em Gaza, ao lado de um território parça. Israel fez muitas demolições por lá, matou muita gente, abriu caminho pro amigão.
Não é de hoje que os Estados Unidos usam e abusam de seu big stick, o grande e fálico porrete que ameaça e, volta e meia, é usado mundo afora. Mas os caras costumavam ter algum cuidado na hora de utilizá-lo, falavam na defesa da democracia, dos valores cristãos, no combate ao comunismo.
O fim da União Soviética e a conversão da China a um capitalismo que não ousa dizer seu nome acabaram com a desculpa do vale tudo contra os comunistas. O socialismo foi praticamente reduzido ao parque temático cubano e ao horror do campo de concentração norte-coreano. Hoje, a briga é comercial, tecnológica, sem disfarces.
O nazifascismo, outro inimigo do século XX, passou a se comportar melhor à mesa, reciclou o discurso a favor da família, recuperou parte da bênção em que era visto como opção ao comunismo. Aproximou-se do poder dominante, passou a usar sapatos finos no lugar de botas — como no samba de Nelson Sargento, finge que mudou e muita gente finge que acredita.
De vez em quando, ocorre uma espécie de espasmo muscular, o braço direito é levantado com a palma estendida para baixo — mas acidentes acontecem, claro, seria absurdo chamar de nazista alguém que faz o gesto nazista.
Foi, no máximo, uma brincadeira devidamente digerida pelo chefe da IBN, a autodefesa comunitária deles (esta definição de milícia foi dada pelo então prefeito carioca Cesar Maia, um dos que prefeririam romantizar o domínio de áreas da cidade por grupos de policiais. Deu no que deu).