— Moço, esse vagão vai lá pro andar do IPTU?
Na entrada de um elevador dentro de um shopping carioca, fiquei surpreso pela pergunta a mim dirigida por um homem idoso, baixo, acompanhando de uma mulher com as mesmas características. Em pleno século XXI, na segunda maior cidade do país, ex-capital federal, havia um casal que chamava um elevador de "vagão", uma referência óbvia ao trem.
Antes de terminar de sair do elevador, ele, com ar de perdido, tentou, uma última vez, conferir a repartição da prefeitura não ficava mesmo no andar onde há pouco estivera, o único em que se é possível chegar pelo tal do vagão.
Expliquei que eu iria para o mesmo lugar, que nunca estivera antes por lá, mas que fora instruído a pegar o elevador, saltar no tal andar e procurar o escritório da prefeitura, também tinha que resolver algo relacionado ao IPTU. Sugeri que eles me acompanhassem.
Já dentro do elevador, ele deu a entender que buscavam algo simples, a emissão da guia para o pagamento do imposto. Há alguns anos que a prefeitura do Rio parou de enviar o carnê para os contribuintes, obrigados desde então a baixá-lo na internet, uma ação muito distante do universo daquele casal.
Ele ainda reclamou que não seria possível quitar uma parcela do imposto no escritório da Secretaria Municipal de Fazenda a que nos dirigíamos, mas no "Santo André". Encasquetei com a referência, não há bairro no Rio com esse nome. Depois é que entendi, ele se referiu a um banco, ao Santander.
Educado, demonstrando desconforto por estar num shopping, cheio de gente, de luzes e de códigos para ele incompreensíveis, o homem me seguiu até a sala indicada pela placa "Prefeitura" — uma combinação de letras que, minutos antes, os dois não haviam conseguido decifrar.
Na sala, sinalizei para que passassem à minha frente — chegaram antes ao shopping, afinal. Diante do único funcionário, a mulher demorou alguns segundos para encontrar um papel dentro da bolsa de compras que carregava, o que gerou uma breve preocupação de seu acompanhante, que chegou a sugerir que ela deixasse que eu fosse atendido antes. Ele não queria incomodar ninguém.
Ela encontrou o papel, conversou sobre o vencimento das primeiras parcelas com o atendente, resolveu o que tinha que resolver. O funcionário da prefeitura ainda conferiu se o endereço deles estava certo, rua 24 de Maio, uma espécie de avenida, bem movimentada que corre ao lado da linha do trem e liga parte da Zona Norte a alguns subúrbios.
O casal deve, portanto, morar numa área urbana do Rio, mas conserva características de habitantes da zona rural. Tinham aquele jeito de se sentirem deslocados num universo estranho e mesmo agressivo. Pareciam ilustrar o "Lamento sertanejo" de Dominguinhos e Gilberto Gil, reses desgarradas que vivem contrariadas numa cidade que lhes é agressiva, misteriosa, que lhes exige esforço até mesmo para cumprir a obrigação de pagar impostos.
Dois brasileiros que, em meio à modernidade forçada de um shopping, fazem com lembremos de um país pobre, injusto, de alfabetização precária e que a cada dia parece ampliar o fosso entre seus cidadãos. Ali, perdidos, não escondiam a vontade de resolver logo aquela chatice e pegarem um vagão para sua casa, para seu tempo, para suas histórias.