Por: Fernando Molica

Ironia: petistas dizem que seu boné não é o vermelho

Ministros Camilo Santana e Alexandre Padilha e senador Randolfe Rodrigues com o boné azul | Foto: Reprodução/Redes Sociais

Ao usarem um boné azul com a inscrição "O Brasil é dos brasileiros", integrantes e aliados do governo conseguiram fazer um gol dentro do campo do patriotismo que tanto marca os bolsonaristas. Pior, jogaram pra cima deles a pecha de entreguistas.

Tudo poderia ter passado batido se não fosse a destemperada reação do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) que classificou o boné de ser "anti-Trump", embora o adereço não faça qualquer referência direta ao presidente norte-americano. Eduardo já foi várias vezes fotografado usando bonés que exaltam Trump.

A brincadeira é outra e tem como mote frase criada por Sidônio Palmeira, novo ministro da Secretaria de Comunicação Social. Governistas aproveitaram medidas do presidente norte-americano que afetam interesses de brasileiros e do próprio país para ressaltar que a defesa apaixonada e irrestrita do atual ocupante da Casa Branca é ruim para o Brasil. A crítica costurada nos bonés não é a Trump, mas aos brasileiros que tanto o exaltam.

A jogada é interessante até no aspecto cromático: desta vez, são os bolsonaristas que usam o vermelho, cor do Partido Republicano. É como, ironia das ironias, os petistas dissessem algo como "Nosso boné nunca será vermelho".

Exaltações patrióticas devem ser sempre vistas com cuidado, ficam a um passo da xenofobia, costumam alavancar manifestações racistas, de intolerância e, no limite, adubam o terreno do fascismo.

Mas nada indica que os governistas do boné tenham pretensões mais preocupantes. Apenas procuraram mostrar, de maneira bem-humorada e sutil, que ao usarem o boné trumpista, líderanças brasileiras como os Bolsonaro e o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), colocaram interesses ideológicos acima dos nacionais.

A América que Trump quer ver grande de novo é a deles, aquela entre o México e o Canadá. De um modo geral, norte-americanos acham que a América é sinônimo de Estados Unidos. Ao cobrirem suas cabeças com mensagem que exaltava o desejo de grandeza deles, nossos políticos respaldaram planos que o republicano nunca escondeu.

Trump falou que iria expulsar imigrantes ilegais — e temos uns 200 mil brasileiros nessa condição por lá — e taxar importações de países que, segundo ele, prejudicam os EUA, e nós estamos nessa lista. Nesse sentido, respaldar uma América do Norte grande é condenar a nossa América à pequenez, ao papel de eterna coadjuvante.

O deputado Bolsonaro poderia ter passado batido, mas, ao morder a isca, mostrou que há, no seu grupo político, um incômodo com as medidas de Trump que afetam brasileiros, aí incluído o pessoal do agro, tão identificado com o bolsonarismo. Bater continência para Trump significa, hoje, apoiar medidas contrárias aos interesses brasileiros, e isso não tem nada a ver com o governo de plantão por aqui.

O bolsonarismo sempre foi muito hábil na exploração de imagens patrióticas, mas agora derrapou. Um erro que, com as devidas proporções, remete a uma das grandes besteiras do histórico líder comunista Luís Carlos Prestes (1898-1990).

Em 1946, diante de uma pergunta sobre de que lado ficaria numa guerra entre Brasil e União Soviética, ele tropeçou feio. Citou o exemplo dos franceses e italianos que se aliaram à URSS contra nazistas e fascistas e afirmou que não admitiria uma "guerra imperialista" contra o país comunista.

Disse que empunharia armas "para fazer resistência em nossa pátria" contra um governo (brasileiro) que quisesse a volta ao fascismo. Ou seja, ficaria do lado da URSS. A declaração serviu de pretexto para o cancelamento do registro do PCB.

Talvez seja o caso de perguntar aos bolsonaristas: de que lado ficariam numa guerra entre um Brasil governado pelo PT e o país de Trump?

(P.S. Ontem, a oposição foi pro plenário da Câmara com bonés nas cores verde e amarelo para reivindicar comida barata. Em meio à tanta agressividade na política, até que a briga dos bonés é divertida.)