Por: William França

BRASILIANAS | OAB-DF parte para o ataque contra penduricalhos pagos aos fiscais da DF Legal

Momento em que o Pleno da Seccional da OAB no DF vota pela ADI contra os penduricalhos da DF Legal | Foto: Divulgação/OAB-DF

A OAB-DF decidiu ingressar com Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a 'indústria de multas' que rende cerca de R$ 5 mil por mês para cada servidor da DF Legal, inclusive para os aposentados e pensionistas

Imagine a seguinte situação, caro leitor: você é um fiscal do Governo do Distrito Federal, que prestou concurso para tal função, e passa a ganhar "um extra no contracheque", todos os meses, por ter cumprido a sua missão funcional, que no caso é fiscalizar. No caso, quanto mais multas aplicar, mais bônus você recebe.

A Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil no DF entendeu que isso é uma prática inconstitucional. E decidiu, em sessão realizada no dia 24 (mas só divulgada ontem) que vai ingressar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra partes de uma lei que garante ganhos extras para os fiscais do DF por "cumprimento de metas".

O que está em discussão é o uso do Fundo de Modernização, Manutenção e Reaparelhamento dos Órgãos de Auditoria de Atividades Urbanas e de Fiscalização e Inspeção de Atividades Urbanas, o FUNDAFAU, criado pela Lei Complementar Distrital 982/2021. Ela foi proposta pelo governador Ibaneis Rocha (MDB) e sancionada por ele em janeiro de 2021.

Essa lei prevê que os recursos das multas aplicadas pelos órgãos públicos do DF deveriam ser usados na modernização e no reaparelhamento da administração, fiscalização e atividades de auditoria de atividades urbanas.

Mas... Eis que foi feita uma segunda Lei Complementar Distrital, a de número 1.000, de março de 2022, que fez duas alterações na regra inicial. Primeira mudança: aumentou de 35% para 50% o percentual que pode ser pago aos fiscais beneficiados, a partir de recursos do FUNDAFAU.

Segunda mudança: a permissão de que o dinheiro arrecadado com multas e juros seja usado para pagar bônus (incentivos financeiros) a fiscais do DF, incluindo servidores ativos, aposentados e pensionistas da carreira de Auditoria de Atividades Urbanas do Distrito Federal. Na prática, são os fiscais da Secretaria de Estado de Proteção da Ordem Urbanística do DF, mais conhecida como DF Legal.

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O presidente da OAB-DF, Paulo Maurício Siqueira, o Poli | Foto: Roberto Rodrigues/OAB-DF

Penduricalho "é inadmissível"

"É função do servidor público verificar a ocorrência de irregularidades e cobrar multa, mas é inadmissível se beneficiar do resultado financeiro disso. É algo absolutamente contrário aos princípios constitucionais!", vociferou o presidente da OAB-DF, Paulo Maurício Siqueira, o Poli, durante a sessão do Pleno que decidiu - por unanimidade - pela ADI.

Poli criticou a omissão de instituições que deveriam atuar diante da ilegalidade, e observou que a OAB/DF não poderia se abster de um posicionamento pela legalidade, pela moralidade e pela impessoalidade do Estado.

"A OAB/DF compreende e valoriza o trabalho desempenhado pelos auditores. Não há qualquer objeção quanto a eles serem bem remunerados ao contrário, defendemos que sejam. A questão está no formato dessa remuneração. Entendemos ser inconstitucional. Nosso objetivo é promover o diálogo com os servidores, sem qualquer ataque pessoal, reafirmando o reconhecimento pelo serviço que prestam," explica o relator do caso, conselheiro seccional e membro da Comissão de Assuntos Constitucionais, Jonatas Moreth,

As bases da ADI sustentarão que:

  • Estão sendo feridos os princípios da impessoalidade e moralidade, pois a OAB-DF entende que os fiscais não deveriam se beneficiar financeiramente das multas que eles mesmos aplicam, pois isso cria um incentivo para multar e compromete a imparcialidade da fiscalização;
  • Que a Lei Complementar 1.000/2022 contraria a Constituição Federal e a Lei Orgânica do DF, porque ela permitiria um reajuste automático de salários vinculado ao aumento da arrecadação de multas, o que é proibido pela Constituição e pela Lei Orgânica;
  • Que as mudanças desrespeitam a reserva legal, pois a regulamentação do valor desses bônus foi feita por uma portaria (ato administrativo) e lei geral, e não por lei específica, como deveria ocorrer para alterações salariais; e
  • Que a citada lei desvirtua a finalidade do FUNDAFAU, pois o fundo, que originalmente deveria ser usado para melhorar a estrutura da fiscalização urbana, agora está sendo usado para pagar salários.