BRASÍLIA VISUALMENTE POLUÍDA (31)
'O pessoal do DER tá vendendo (a licença)' por 80 mil reais, afirma um comerciante achacado pelo esquema de corrupção que havia no DER-DF, e que revela uma poderosa engrenagem na concessão de quiosques ao longo de quase 2.000 km de rodovias no DF. Esses novos fatos vão além da farra das autorizações irregulares de painéis publicitários, principalmente os de LED, como vinha sendo revelado por 'Brasilianas' desde junho do ano passado
EXCLUSIVO - O afastamento de cinco servidores do Departamento de Estradas de Rodagem do DF (DER-DF), determinada pelo governador Ibaneis Rocha (MDB), é a primeira consequência da "Operação Faixa de Domínio", deflagrada ontem de manhã em conjunto pela Polícia Civil e pelo Ministério Público do DF, que investiga uma série de suspeitas que envolvem servidores da autarquia e mesmo empresários. As denúncias em apuração vão desde autorizações irregulares para instalação de quiosques e de painéis publicitários, até achaque entre empresários, uns contra outros, com conivência dos servidores públicos. Tudo em troca de propina.
Tanto a Polícia Civil quanto o Ministério Público têm em seu poder um conjunto de documentos e mesmo áudios, em que é narrado o modus operandi do grupo. "Brasilianas" obteve um desses áudios. Nele, é possível ouvir uma série de nomes de empresários de vários segmentos do comércio varejista, do ramo imobiliário, de corretores de imóveis e de servidores públicos do DER-DF envolvidos no esquema.
"O pessoal do DER tá vendendo (a licença)", afirma um desses comerciantes achacados, na gravação. Há narrativas sobre valores envolvidos nas transações de liberação de quiosques, como de R$ 80 mil - para que fossem permitidos em áreas irregulares ou mesmo não previstas na legislação das Faixas de Domínio.
Para ajudar o leitor: faixa de domínio é a área pública que abrange a pista para os veículos e os espaços laterais de uma rodovia. É um bem público que serve para a implantação da rodovia e para garantir a segurança do trânsito. No DF, ela tem largura média de 200 metros, para cada lado da pista. O DER-DF é o responsável por quase 2.000 km de rodovias em todo o DF.
No áudio, o comerciante conta que vem recebendo pressão de outros empresários para ceder o seu quiosque para outro empresário, que tem mais dinheiro e acesso à cúpula do DER. São citados nomes. Ele também narra como é feita a distribuição dos quiosques para os permissionários - muitas vezes, em nomes de laranjas ou de parentes dos empresários que já têm empresas consolidadas (indústrias e imobiliárias), em detrimento dos pequenos empreendedores.
Entre as dificuldades impostas aos pequenos, está a padronização desses quiosques utilizando métodos de construção considerados caros (e impagáveis), de alto padrão, o que força a desistência do negócio e a venda para terceiros.
Infestação de Painéis de LED
"Brasilianas" e o "Correio da Manhã" vêm desde junho do ano passado tratando do abuso nas autorizações para a instalação de painéis publicitários pela cidade, que provoca poluição visual e chega a atrapalhar motoristas. O problema é tamanho que foi objeto até mesmo de uma Ação Popular, que ainda está sendo julgada no Tribunal de Justiça do DF.
Em julho de 2024, a Justiça do Distrito Federal determinou (por liminar) o desligamento provisório desses painéis de LED instalados em vias do DF sob jurisdição do DER-DF. A decisão foi da Vara de Meio Ambiente, Desenvolvimento Urbano e Fundiário do TJDFT.
As empresas (e o DER-DF) recorreram e a liminar foi cassada. Essa decisão está na fase de novos recursos no próprio TJDFT e deve seguir para análise do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1).
Além dessa Ação Popular, também há investigações paralelas sobre esses abusos no Ministério Público e, agora, na Polícia Civil.
'Metrópoles' lidera a farra
A farra dos painéis publicitários tem seu ápice a partir de 2022, com a proliferação de totens de LED, que passaram a infestar todo o DF. A maioria deles, de propriedade da Metrópoles Digital Ltda., do grupo que edita o site "Metrópoles" e que pertence à família do ex-senador Luiz Estevão. Num último levantamento feito pelo próprio DER-DF, o Metrópoles Digital respondia por 55% dos 370 totens de LED que estavam instalados naquele momento (outubro do ano passado).
O Ministério Público do DF detém documentos com uma denúncia em que o Metrópoles Digital também é citado como responsável por uma decisão do DER-DF que "tomou" de um empresário a concessão de um ponto para a instalação de um tóten de LED e o repassou para a empresa do ex-senador. O ponto em questão é onde está instalado o gigantesco painel de LED na subida da Ponte JK, em direção aos condomínios do Jardim Botânico.
E nem mesmo uma determinação do GDF - em forma de Ordem de Serviço do DER-DF - vinha sendo respeitada pelo grupo da própria autarquia. "Brasilianas" obteve um documento em que a autorização para a instalação de um desses painéis de LED, na Estrada-Parque Taguatinga (EPTG), tem assinatura digital com a data de 10 de fevereiro deste ano, com precisão do horário em que foi feita: às 15h54.
Oficialmente, as autorizações para implantar placas de engenhos de publicidade (nas faixas de domínio) estão suspensas desde o dia 17 de outubro de 2023. Essa categoria inclui outdoors, frontlights, backlights, totens, relógios de propaganda, lixeiras e painéis de LED.
Apesar dessa restrição, o Metrópoles Digital conseguiu driblar essa regra indicando que os totens de LED da empresa não são engenhos de publicidade, mas equipamentos públicos. Assim, se equiparam a bancos de praça, parquinhos infantis e lixeiras. Assim, podem ser instalados nos canteiros centrais das rodovias e mesmo a poucos centímetros das pistas, num flagrante desrespeito à legislação de trânsito, pois a luminosidade provoca distrações e distúrbios nos motoristas.
Todas as autorizações para o Metropoles Digital têm a assinatura do então superintendente de Operações do DER-DF, Murilo de Melo Santos.
Agora, após nova restrição para a instalação de totens em áreas faixas de domínio, o Metrópoles Digital decidiu inovar: instala seus painéis de LED dentro de lotes particulares, bem próximos às vias e rodovias, burlando a fiscalização. Existem desses totens junto à Ponte JK e na L2-Sul, por exemplo.
DER-DF é aliado às empresas
Quando questionado pelo Ministério Público e pela Justiça, ano passado, para a instrução da Ação Popular, o DER-DF se aliou ao Metrópoles Digital e a outras quatro outras empresas listadas como réus na ação e, de forma coordenada com o site de notícias da empresa, contestou a ação judicial.
A prática que está sendo investigada agora - a de servidores do DER-DF trabalharem junto com as empresas de publicidade, ou a favor delas -, teve um episódio recente, que envolveu diretamente "Brasilianas". Conto o caso a seguir:
Esta coluna enviou (por e-mail) um questionamento à Assessoria de Imprensa do DER-DF sobre a instalação de um determinado painel de LED que estava sendo montado em local inicialmente não permitido. A pergunta foi feita somente à Ascom do DER-DF, e a mais ninguém (até porque quase nada se sabia sobre o caso e "Brasilianas" desconhecia o nome da empresa responsável pelo totem).
Mas, em menos de 24 horas, o empresário responsável pelo painel de LED procurou "espontaneamente" a direção do jornal para apresentar uma série de documentos e, assim, contestar o questionamento que havia sido feito por "Brasilianas". Se disse regular e autorizado.
Ora, se "Brasilianas" não falou previamente com o empresário (porque sequer sabia quem era) e com absolutamente ninguém além da Ascom do DER-DF (e por e-mail), só resta uma alternativa: foi o próprio DER-DF que informou ao empresário - "por fora" e de forma totalmente irregular - que a instalação do tótem dele estava sendo contestada por esta coluna.
Fatos como esses, narrados aqui, somados a centenas de autorizações, sem critério e sem licitação, para o de uso de publicidade de forma irregular pela cidade, foram objeto de 30 reportagens de "Brasilianas", do "Correio da Manhã", na série "Brasília Visualmente Poluída". Agora, esses fatos serão apurados pelas autoridades.