Por: Affonso Nunes

O cronista musical do Rio Antigo

Noel numa escotilha do estúdio da Rádio Mayrink Veiga em foto de 1935 | Foto: Coleção José Ramos Tinhorão/IMS

Obra de referência sobre o Poeta da Vila, a biografia "Noel, um perfil biográfico", de André Diniz, retorna às livrarias em edição ampliada e revisada, publicada pela Numa Editora. Além de novas ilustrações e conteúdos inéditos, a obra traz capa assinada por Mello Menezes. Lançado originalmente em 2010, a obra aprofunda a trajetória de Noel Rosa, gênio que aproximou morro e asfalto, transformando o samba em crônica poética e crítica do Rio de Janeiro.

"Noel era um compositor moderno; até hoje, algumas de suas letras permanecem atuais. Cantou a modernidade do Rio, dos carros, dos cinemas, das fábricas, convivendo com compositores dos morros numa rica troca de linguagem", destaca Diniz.

O autor enumera algumas novidades desta edição que, além da bela capa assinada pelo ilustrador Mello Menezes, inclui uma discografia comentada pelo músico e pesquisador Henrique Cazes. "A discografia comentada pelo Henrique Cazes é muito própria. Também aumentei também algumas coisas de densidade ao falar do Rio de Janeiro, da sua compreensão da cidade naquela época, sua relação com ela. Noel fez muito a cidade e a cidade fez Noel, não é? Eles são completamente imbricados um no outro. E outra coisa que eu aprofundei também é o perfil modernista do Noel, o Noel é um modernista.

Além disso, apresenta ao leitor o álbum "Noel Rosa, o poeta do samba e da cidade", gravado em 2010 e originalmente distribuído com o livro em sua primeira edição. Agora o trabalho encontra-se disponível nas plataformas de streaming, podendo ser acessado via QR Code pubblicado nesta edição atualizada.

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'Noel trabalha na literatura dele com a linguagem do cotidiano'

O pesquisador carioca André Diniz durante noite de autógrafos do lançamento da edição ampliada de seu livro, que destaca a modernidade na obra de Noel Rosa | Foto: Sérgio Bonelli/Divulgação

Nascido em Vila Isabel, Noel Rosa (1910-1937) teve uma vida breve, mas construiu um legado impressionante: 259 composições que redefiniram a música popular brasileira. Suas parcerias com Braguinha, Ismael Silva, Orestes Barbosa, Cartola e Vadico resultaram em obras-primas que seguem influenciando gerações.

"Por mais que ele não convivesse na academia, aquela coisa toda, Noel trabalha na literatura dele com a linguagem do cotidiano, as palavras usuais", sustenta André Diniz.

Esse olhar cotidiano, reforça o autor, se refletia no Rio que Noel conheceu e taõ bem descreveu. "Ele é um grande flaneur da cidade. As descrições que ele faz do Rio se seu tempo, o modernismo que ele acompanha. E ele tinha certa consciência disso. Ele falava isso. "Ele achava que o samba estava dentro dessa questão moderna do país". Um exemplo disso são suas composições em refrão como a célebre "Conversa de Botequim".

André Diniz destaca que esse olhar moderno do Poeta da Vila se refeltia até mesmo em sua vida afetiva. "A mulher dele (Lindaura) é uma mulher mundana. Não é uma mulher parnasiana, idílica. Era uma mulher real. Uma mulher do cotidiano, da vida, da boate, da boêmia. A amada dele é isso. Então ele muda também essa coisa da relação com o olhar da mulher", reflete.

Como bem observa o historiador Luiz Antonio Simas, o livro de Diniz mostra como Noel "testemunhou, atuou e ajudou a construir a história de um Rio de Janeiro que assistiu à transição entre o Brasil rural da Primeira República e um país cada vez mais urbano, complexo e multifacetado."

Multifacetado como o próprio Noel, que chegou a cursar medicina antes de se entregar definitivamente à música. Foi no rádio, em ascensão nos anos 1930, que encontrou um meio de viver de sua arte, embora sua boemia fosse tão marcante quanto sua obra. "O samba, para Noel, já atingira outro patamar na sociedade brasileira: era a música do malandro, da dona de casa, dos pobres dos morros e subúrbios, dos intelectuais e dos 'elegantes', que passaram a ouvi-lo nos discos e no rádio", ressalta Diniz.

Noel Rosa revolucionou o samba ao unir lirismo, humor e crítica social. Suas letras capturaram o espírito carioca e as contradições de seu tempo, consolidando-o como um dos maiores nomes da música brasileira apesar de sua trajetória tão curta.