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Assédio moral em tempos de pandemia

O trabalho em home office assume as mais diversas nuances e muitos empregados se vêem às voltas com a exigência de jornada que excede e, muito, as 8 horas diárias

Por: Soraya Lambert*

A pandemia da Covid-19 trouxe um cenário de medo e incerteza. O número de infectados e mortos, no Brasil, cresce a cada dia, sem previsão de decréscimo da curva e é difícil ver uma luz ao final do túnel.

O medo de ser infectado e a possibilidade de ser entubado sem caminho de volta, além da incerteza do futuro, com a falência batendo à porta de sem número de pequenas e médias empresas, dão o norte aos dias de grande parte da população brasileira. Será que um dia voltaremos ao normal ? Ou o “novo normal” é que dará o tom para a vida daqui por diante?

São muitas as indagações nesse momento e algumas certezas. E uma das certezas, nessa pandemia, é o aumento das enfermidades de natureza psicológica. Cresce o número de suicídios, fruto do estresse elevado e acometimento de ansiedade e depressão.

Segundo o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, “o impacto da pandemia na saúde mental das pessoas já é extremamente preocupante”.

Assim, diante da pandemia, não basta tomar todas as precauções contra o contágio, que vão da utilização obrigatória de máscaras, passando pela higienização frequente das mãos e uso ininterrupto do álcool gel até o distanciamento seguro. É preciso, mais do que nunca, cuidar da mente e do coração.

A nova realidade do isolamento necessário fez com que o home office, antes concedido ao empregado em situações pontuais, se tornasse o “novo normal”. E junto com o “home office”, vem a solidão do trabalho em casa, a desconexão social, as incertezas quanto ao próprio futuro dentro da empresa, tendo em vista a instabilidade econômica gerada pela situação de calamidade advinda da pandemia.

Nesse panorama, vem à mente o assédio moral, que viola a dignidade física e psíquica do empregado e pode acarretar quadros de depressão, de nível leve a grave, e até mesmo o suicídio. O assédio moral foi causa de inúmeros pedidos de indenização formulados perante a Justiça do Trabalho antes da pandemia.

O assédio moral no trabalho se caracteriza pela exposição do empregado a situações humilhantes e constrangedoras, reiteradas e prolongadas, no exercício de suas funções, durante a jornada de trabalho. O ofensor, em regra, é superior hierárquico, mas o assédio também pode ocorrer entre empregados do mesmo nível hierárquico.

Não obstante a distância física da chefia em razão do trabalho em regime de home office, os casos de assédio moral, assim como as doenças psicológicas, vem aumentando no período de isolamento social, pós-pandemia.

E o assédio moral, no trabalho em home office, assume as mais diversas nuances. Muitos trabalhadores se vêem às voltas com a exigência de jornada de trabalho que excede e, muito, as 8 horas diárias e 44 horas semanais, previstas no artigo 7º, XIII, da Constituição Federal e se submetem a controle de jornada que revela abuso do poder diretivo, com determinação, pelo empregador, do envio de imagens da estação de trabalho no decorrer do dia, o que, pode configurar, inclusive, invasão da privacidade do laborista. Outra forma de assédio moral aparece nas reuniões telepresenciais, onde são estabelecidos ranking de trabalhadores e tratamento por alcunhas pejorativas, como “tartaruga”, em razão do desempenho do empregado.

A cobrança de metas inatingíveis e ameaças reiteradas de demissão também são graves vertentes do assédio moral pós-pandemia, causando esgotamento físico e mental do empregado, que passa a conviver com o medo do contágio da Covid-19 e o pânico de perder o posto de trabalho e não conseguir nova colocação diante da realidade financeira difícil que se abateu sobre grande parte das empresas.

A prática de assédio moral pelos prepostos do empregador ocasiona inegáveis danos à imagem, honra e dignidade do trabalhador e enseja a responsabilização da empresa pelo pagamento de indenização por danos morais, nos termos do disposto no artigo 186, do Código Civil, sem prejuízo da indenização por danos materiais caso reste demonstrado o acometimento de enfermidade física e/ou psíquica decorrente da conduta assediadora. Resta patente, outrossim, a possibilidade de rescisão indireta do pacto laboral, nos termos do disposto no artigo 483, da CLT, por exigência de serviços superiores às forças do laborista, tratamento com rigor excessivo, descumprimento das obrigações contratuais pelo empregador.

Considerando a gravidade das práticas de assédio moral e os efeitos altamente danosos à integridade física e mental dos trabalhadores, cabe às empresas estabelecerem mecanismos para coibir referidas práticas, mecanismos esses que vão desde a implementação de manual de conduta, palestras para orientação e treinamento dos empregados até canais de denúncia com a efetiva punição dos assediadores, sem prejuízo de sistemas eficazes de auditoria e compliance trabalhista.

Em que pesem todas as dificuldades que as empresas vem enfrentando neste momento de pandemia, é importante não esquecer que o sucesso verdadeiro e duradouro de um empreendimento econômico está diretamente ligado a um ambiente de trabalho saudável, onde são observadas as condições de segurança e respeitada a dignidade do empregado.

*Soraya Galassi Lambert é Juíza Titular da 14ª Vara do Trabalho do Fórum da Zona Sul e Juíza Convocada no Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região desde 2010

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