CRÍTICA / TEATRO / COMO NOS LIVROS: Humanos em decomposição
Como uma fábula, o excelente e provocativo texto de Cecilia Ripoll ganha força pelas mãos dos carismáticos e talentosos Bando de Palhaços, que completam 15 anos no aconchegante palco do Sesc Arena de Copacabana, que deixa-nos ainda mais imersos pela estrutura do espetáculo. A dramaturga, propositadamente, desenvolve sua obra num viés um tanto quanto mais literário, estabelecendo uma fusão acertada entre a palavra escrita e a que deve ser falada, já que o contexto faz um transporte onírico na literatura.
"Como nos Livros" está recheado em metáforas, ficcionalizando um grupo de insetos, as traças, elaborando uma analogia com o ser humano, que persiste em deteriorar tudo que construiu, inclusive à si mesmo. As personagens têm nomes extraídos de histórias gregas, medievais, shakespearianas, introduzindo citações de inúmeros autores, entre eles: Clarice Lispector, Charles Chaplin, Fernando Pessoa, Friedrich Nietzsche, apimentando ainda mais a condução dramatúrgica.
Há um estranheza poética, onde o diretor André Paes Leme corporifica o espetáculo, oferecendo-nos uma magia, pela qual somos levados à uma imaginação fértil, no que temos a nítida sensação de estarmos folheando um bom livro, valorizando a metalinguagem - outro ponto para Ripoll, além de conduzir seus intérpretes teatralmente, afastando-os da caricatura.
Todo o Bando de Palhaços encontra-se em sinergia contagiante. Seguros, vão desvelando emoções e definindo um bando situações cômicas. Vale ressaltar o solilóquio da personagem T.Obaldo, repleto de variações, muito bem defendidas por Filipe Codeço, mas Ana Carolina Sauwen - com ótima dicção, Fabrício Neri, Mariana Fausto e Pablo Aguilar possuem uma homogeneidade proveniente de uma companhia, que vêm polindo seu bando de talentos há anos.
Cachalote Mattos ambienta uma cenografia adequada, ao forrar o palco com um tecido tingido, numa alusão às traças, configurando pequenos domicílios em que os referidos insetos insistem em coabitar lugares escuros e úmidos. No mesmo diapasão, os atores são trajados por Arlete Rua, num figurino que assemelha-se às cores das traças, misturando uma indumentária esmaecida. Tudo isso revestido por Ana Luzia Molinari de Simoni, conseguindo cenografar um aspirador de pó, primorosamente, com bela luz inventiva, auxiliando na tensão dramática.
"Como nos Livros" é filosofia da melhor qualidade, em que delírios e racionalizações são apresentados para que possamos refletir, com astuta comicidade, sobre nossas ações e até onde vamos chegar por sermos traças que corroem o nosso próprio destino.
SERVIÇO
COMO NOS LIVROS
Teatro de Arena do Sesc Copacabana (Rua Domingos Ferreira, 160) | Até 7/12, de quinta a sábado (20h) e domingo (18h) | R$ 30, R$ 15 (meia) e R$ 10 (associado Sesc)
