Um ator em estado de graça

O premiado ator Márcio Vito transforma prédio em metáfora para retrato da sociedade brasileira em crise

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Em 'Claustrofobia' Márcio Vito interpreta três personagens de mundos completamente desconectados, refletindo as contradições brasileiras

O premiado ator Márcio Vito transforma prédio em metáfora para retrato da sociedade brasileira em crise

Chegando à sua útima semana, o Festival Todos no TGG - 30 Espetáculos em 30 dias recebe nesta quinta-feira (27), no Teatro Gláucio Gill, o monólogo "Claustrofobia", espetáculo que marca ponto fundamental na carreira de Márcio Vito, ator que completa 35 anos de trajetória e acaba de conquistar reconhecimento cinematográfico de peso. Em outubro de 2025, Vito recebeu o Troféu Redentor de Melhor Ator no Festival do Rio pela competição Novos Rumos, pela atuação no filme "Eu Não Te Ouço", dirigido por Caco Ciocler.

Escrito por Rogério Corrêa e dirigido por Cesar Augusto, "Claustrofobia" acumula reconhecimentos significativos nas premiações mais importantes do teatro brasileiro. A dramaturgia se passa dentro de um prédio empresarial no centro de uma metrópole brasileira. Ali, Márcio Vito encarna três personagens que nunca verdadeiramente se conectam: uma executiva ambiciosa, um porteiro que sonha em ser policial e um ascensorista invisível. Por trás dessas personalidades tão distintas, emerge um microcosmo do Brasil — um prédio que aprisiona tanto quanto revela as hierarquias e contradições que definem as vidas nos grandes centros.

Neste prédio que é a cara do Brasil Márcio Vito é seu único habitante, um sobrevivente que carrega todas as vozes, todas as frustrações e todas as máscaras que a sociedade impõe. "Abandonar vícios físicos e vocais que nascem de uma prática teatral menos exigente foi meu maior desafio. Ir além de algo que já seria bom o suficiente para contar uma história era uma provocação diária do Cesar Augusto", disse o ator em entrevista à Folha de S. Paulo.

O desafio mais profundo para o ator, no entanto, foi encarnar a responsabilidade de ser simultaneamente crítica social e testemunha. "Tive medo. Mas como costumo repetir para minha filha, medo é bom", explica o ator. "Me preparei para que cada passo na construção da peça fosse dado com firmeza e coerência dramática. Cesar me mostrou um caminho muito natural: um senhor, um ator talvez, que poderia ser ou ter sido uma das pessoas dessa história contando o que vivenciou deixando que sua memória tomasse forma em seu corpo." Essa abordagem, de depoimento súbito sem composição prévia, faz deste monólogo uma experiência de autenticidade teatral rara.

Visualmente, a direção de Cesar Augusto opera com precisão, utilizando elementos mínimos para criar máxima claustrofobia. O cenário, assinado por Beli Araújo e Cesar Augusto, conquistou o Prêmio Shell 2025 em sua categoria. Nele estruturas metálicas e jogos de luz da iluminadora Adriana Ortiz — indicada ao APTR — projetam sombras que sugerem corredores, elevadores e celas, reforçando a sensação de confinamento. A trilha original de André Poyart complementa a atmosfera, com elementos que dialogam com a fala e o gesto marcado da peça.

O texto de Rogério Corrêa evita discursos óbvios. A executiva é tanto algoz quanto vítima, presa em sua própria armadilha de ambição. O porteiro sonha em se tornar policial não como escapatória, mas como assimilação à mesma máquina que o oprime. O ascensorista, figura mais silenciosa, talvez seja o mais trágico, pois nem mesmo o desejo de mudança lhe resta. Essas três vidas nunca se conectam verdadeiramente, revelando o cerne da peça: a alienação não é acidente, mas mecanismo do sistema.

Márcio Vito executa trabalho de virtuose, transitando entre os três papéis sem jamais confundir o público. Suas transformações vocais e gestuais são perfeitas. A executiva se move com rigidez calculista, o porteiro oscila entre postura militar e resignação, o ascensorista carrega no corpo o peso de uma existência invisível. "Temos uma história essencialmente teatral. É comum que as pessoas saiam da peça com a sensação de que o teatro é potente como arte e opção narrativa. De que a arte do palco vale a pena. Acho que a evidente coletividade da peça impressiona. Ela enaltece o fazer teatral", destaca Vito.

O sucesso da montagem proporcionou prêmios e indicações. Além do Shell de Cenário, "Claustrofobia" recebeu três indicações ao APTR 2025: Melhor Ator (Márcio Vito), Melhor Direção (Cesar Augusto) e Melhor Iluminação (Adriana Ortiz). A peça também circulou por São Paulo no Sesc Pinheiros (junho a julho), Brasília no Festival Cena Contemporânea (agosto) e diversas cidades brasileiras, sempre com casas lotadas e resposta entusiasmada do público.

A maturidade artística de Márcio Vito resplandece no palco. Vale (e muito) vê-lo em cena em "Claustrofobia".

SERVIÇO

CLAUSTROFOBIA

Teatro Gláucio Gill (Praça Cardeal Arcoverde, s/nº, Copacabana)

27/11, às 20h

Ingressos: R$ 40 e R$ 20 (meia)