Preconceitos embaralhados

Comédia premiada sobre disputa em torno de uma campo de futebol celebra cultura suburbana carioca e questiona preconceitos com irreverência

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'Pelada' venceu vários prêmios, consolidando-se como marco de representatividade LGBTQIAPN na cena teatral

Comédia premiada sobre disputa em torno de uma campo de futebol celebra cultura suburbana carioca e questiona preconceitos com irreverência

Nesta quinta-feira (20), Dia da Consciência Negra, o Teatro Gláucio Gill apresenta "Pelada - A Hora da Gaymada", comédia que transforma um campinho de futebol no subúrbio carioca em metáfora para discutir masculinidade, preconceito e resistência. Escrita por Eudes Veloso e dirigida por Orlando Caldeira, a peça integra o Festival Todos no TGG - 30 Espetáculos em 30 dias que celebra os 60 anos do teatro em Copacabana.

A narrativa desta montagem que acumula prêmios significativos gira em torno da disputa entre dois times pelo uso do "Campo do Furão", em Olaria. De um lado, jogadores de futebol que apresentam convencionalmente como héteros. Do outro, integrantes da "Gaymada" — jogadores de queimada que se identificam como homens gays que reivindicam o espaço e sua identidade sem concessões. Ao invés de apresentar vilões e heróis, o texto embaralha preconceitos, afetos, solidariedades e rivalidades comuns a qualquer disputa territorial no subúrbio de uma cidade como o Rio.

A ideia para o espetáculo surgiu durante a pandemia, inicialmente como produção audiovisual. Segundo Orlando Caldeira em entrevista ao Queer.IG, a proposta era "trazer narrativas do subúrbio carioca por meio do humor, destacando a cultura periférica e a comunidade LGBTQIAPN ", utilizando o riso para criticar a heterossexualidade imposta pela sociedade.

O Complexo Negra Palavra consolidou-se como importante voz de representatividade no teatro brasileiro contemporâneo. "Pelada" marca primeira investigação do grupo sobre comicidade própria, resultado de pesquisa que resgata tradições cariocas de rua enquanto constrói crítica social afiada.

O elenco reúne Adriano Torres, Aleh Silva, Djeferson Mendes, Digão Ribeiro, Eudes Veloso, Guilherme Canellas, Ipojucan, Lucas Sampaio, Raphael Elias e Rodrigo Átila — artistas que brincam com estereótipos não para reafirmá-los, mas para revelar o ridículo de certas atitudes.

A dramaturgia se distingue pela precisão linguística. Sem cair em grosseria, utiliza linguagem cotidiana ouvida em ônibus, trens, ruas — aquela mesma que marca encontros entre diferentes pessoas na cidade.

Visualmente, o espetáculo combina teatro, circo e elementos musicais. Os figurinos reafirmam essa abordagem: jogadores de futebol vestem camisas velhas, desencontradas. Os da gaymada usam roupas que remetem feminilidade — quase um "bloco de sujo" —, tornando vísivel a reconfiguração das identidades em disputa. A direção de movimento de Caldeira marca diferenças entre os times através do corpo, da gestualidade, do espaço ocupado.

A trilha sonora, criada por Muato com direção musical e percussão corporal, conquistou o Prêmio Shell de Teatro/RJ 2024. "A gente tem muita afinidade de linguagem teatral. Os caras têm uma execução muito precisa do trabalho de percussão corporal, são todos muito talentosos, eles me ajudaram muito a botar essas ideias todas em prática ao longo desse tempo. Além disso, foi o segundo trabalho em parceria com o diretor Orlando Caldeira, o que também ajudou muito na fluência dos ensaios", contou Muato em entrevista ao Correio em fevereiro de 2024.

O espetáculo também venceu os Prêmios do Humor nas categorias Melhor Texto (Eudes Veloso), Melhor Direção (Orlando Caldeira) e Melhor Espetáculo.

Um minidocumentário exibido no intervalo mapeia situações como amizade de colégio, aceitação de homossexuais, figuras de vizinhos, casarões de subúrbio, o sempre presente churrasquinho como símbolo de união e festa, recuperando o melhor das tradições suburbanas e verdadeira alma carioca.

A crítica especializada celebrou como "Pelada" brinca com preconceitos sem ridicularizar, transformando a quadra em espaço onde respeito, diversidade e resistência encontram expressão física.

SERVIÇO

PELADA - A HORA DA GAYMADA

Teatro Gláucio Gill (Praça Cardeal Arcoverde, s/nº, Copacabana)

20/11, ÀS 20h

Ingressos: R$ 40 e R$ 20 (meia)