CRÍTICA / TEATRO / O LEGADO - UM DIÁLOGO COM CAIO FERNANDO ABREU: Metateatro afetivo
Um sax abre a celebração dos 20 anos da Cia de Teatro Íntimo em grande estilo, em que Madonna, Marina, reverberam pelo espaço, numa saudosa trilha musical de Diego Moraes, com a montagem de “O Legado”, revisitando o escritor Caio Fernando Abreu, referência na literatura gay, e toda uma galera, que suportou a epidemia de aids nos anos 80. Citando artistas que partiram por conta da famigerada moléstia, como Lauro Corona, Cazuza, Carlos Augusto Strazzer, Claudia Magno, entre tantos, o texto bem urdido por Renato Farias atravessa as mazelas de uma época obscura com muito bom humor no macrocosmo LGBTQIAPN+, desfrutando de encontros geracionais, numa amálgama de realidade e ficção, nas quais o jogo teatral se fortalece. A dramaturgia ilumina a ideia de que hoje é absolutamente possível viver com HIV, seguindo a vida, outrora inviável.
A direção, do próprio autor, é um dos pontos altos do espetáculo, criando uma dinâmica fluida, em que seus intérpretes deslizam pela cena com extrema suavidade, propagando sensualidade e liberdade, sustentados por uma direção de movimento eficiente de Orlando Caldeira, com uma provocativa cena de sexo coletivo. A encenação institui a dosagem adequada de dramaticidade, revertendo climas impondo leveza à montagem.
Gracioso e pungente, Thiago Mendonça destaca-se, em plena consciência vocal. Aleh Silva esbanja uma performance corporal encantadora, e Alain Catein, Dodi Cardoso, João Manoel, Márcio Januário, Orlando Caldeira, Renato Farias têm ótimo rendimento, mas Gabriel Contente pode rever a forma pela qual emite seu texto, que por vezes ecoa num volume pouco teatral, mesmo numa entrega equalizada ao elenco.
Mendonça, além de brilhar como ator, se aventura na direção de arte, expondo um tapete vermelho, como se o sangue emanasse um êxtase vital, ressaltando cada artista no palco, em que auxilia a proposta defendida por Farias, com adereços de bom gosto, evoluindo pela cena. Úga Agú enroupa atores/personagens num displicente realismo, sensatamente, já que atores ensaiam um espetáculo, e que se completam no passado e presente. A luz de Daniela Sanchez contribui para desenhar ambientes sugeridos pelo dramaturgo, habilmente.
“O Legado – Um Diálogo Com Caio Fernando Abreu”, não só presta um tributo ao dramaturgo gaúcho, mas reverencia toda a comunidade gay, e aos autores, diretores, atores, ao teatro. Em luta constante para fazer com que a vida fique mais policromada, repleta de luz, e neste caso, que a memória deste país não se apague. Tudo isso num metateatro abarrotado de formosura!
SERVIÇO
LEGADO - UM DIÁLOGO COM CAIO FERNANDO ABREU
Sesc Copabana (Rua Domingos Ferreira, 160)
Até 9/11, sexta e sábado (20h) e domingo (18h)
Ingressos: R$ 30, R$ 15 (meia), R$ 10 (associado Sesc) e grátis (PCG)