A vida com Chico Buarque
Musical sobre professora apaixonada pelo compositor e sua obra retorna aos palcos com olhar renovado sobre a história do Brasil
Musical sobre professora apaixonada pelo compositor e sua obra retorna aos palcos com olhar renovado sobre a história do Brasil
Quase 16 anos após sua estreia, o monólogo musical "Meu Caro Amigo" retorna aos palcos com a atriz Kelzy Ecard, trazendo um olhar renovado sobre a história recente do Brasil através da obra de Chico Buarque de Hollanda. O espetáculo, que sterá apresentação única nesta quarta-feira (5), às 20h, no Teatro Gláucio Gill como parte do "Festival Todos no TGG - 30 Espetáculos em 30 dias", foi visto por mais de 20 mil espectadores durante cinco anos de temporada pelo país, sempre com sessões lotadas.
Com direção de Joana Lebreiro e texto de Felipe Barenco, a montagem acompanha Norma, professora de História de 60 anos apaixonada por Chico Buarque, que decide fazer um show para declarar todo seu amor ao ídolo. A encenação brinca com a alternância entre músicas em suas versões originais e outras cantadas ao vivo pela atriz, acompanhada pelo pianista João Bittencourt. Mais de 30 clássicos do compositor compõem a trilha sonora que se torna o fio condutor da narrativa.
"Sou muito fã do Chico, desde a adolescência. Ele foi - e é - trilha sonora de vários momentos da minha vida. Outro dia me peguei chorando vendo alguns vídeos dele e de outros artistas, por causa da beleza e grandiosidade da sua obra. Foi lindo o trabalho que fizemos de trazer a peça pros dias de hoje. Afinal, 15 anos se passaram pra nós, era inevitável ter outro olhar", disse Kelzy ao Correio em janeiro deste ano, durante temporada no Teatro Sesi Firjan.
Na trama, Norma viveu as grandes transformações do país de forma intensa e apaixonada: a infância e adolescência em plena ditadura militar, a luta pela redemocratização com os colegas de faculdade e uma inesquecível história de amor no desbunde dos anos 1980 com as Diretas Já. Mesmo nos momentos mais difíceis, com uma relação familiar conturbada após o falecimento de sua mãe, Norma nunca se sentiu completamente sozinha: era como se Chico Buarque adivinhasse todos os seus sentimentos e criasse as músicas pensando nela. Agora, aos 60 anos, ela decide realizar um sonho acalentado desde menina: homenagear seu ídolo e cantar a trilha sonora de sua vida.
"Sempre foi marcante para a gente ver as pessoas voltando ao teatro trazendo outras - muitas vezes pessoas da família, de outras gerações. Isso é algo que me encanta no teatro, espetáculos que toquem em temas de memória coletiva e que promovam encontro de gerações. Esta volta é uma celebração à força e afetuosidade deste espetáculo. Percebemos que a peça continua muito impactante - algumas cenas referentes à época da ditadura continuam completamente atuais. São reflexões políticas e sociais que a gente se faz até hoje", comenta a diretora.
Para esta remontagem, o autor Felipe Barenco acrescentou cenas que remetem à história mais recente do país. A vida de Norma é contada de 1966 a 2016, abarcando cinco décadas de transformações políticas e sociais. "Após 15 anos da estreia e por tudo que vivemos no país, politicamente falando de lá para cá, o espetáculo ganhou uma atualidade absurda. Tive a oportunidade de rever o texto com mais maturidade e acredito que o espetáculo retorna ainda mais forte e com toda a afetuosidade que conquistou o público. Todos os conflitos são apresentados pelo filtro familiar. Em tempos de tanto ódio, é uma peça que fala de amor", acrescenta Felipe.
A obra do Chico atravessa décadas da história brasileira, uma autêntica crônica musical de transformações políticas, sociais e comportamentais. Das canções de protesto velado durante a ditadura militar às reflexões sobre amor, cotidiano e memória, o repertório do artista oferece um retrato multifacetado do país.
A estrutura do monólogo musical permite que a atriz transite entre a interpretação dramática e a performance musical. Para quem viveu os períodos retratados, o espetáculo é pura memória coletiva. Para as gerações mais jovens, oferece acesso a um período histórico fundamental através da perspectiva afetiva de quem o atravessou.
O retorno do espetáculo destaca a permanência da obra de Chico Buarque como ferramenta para se compreender o Brasil. Em tempos de polarização política e ataques à democracia, as reflexões políticas e sociais do texto mostra que muitas das questões enfrentadas nas décadas passadas permanecem sem resolução definitiva.
SERVIÇO
MEU CARO AMIGO
Teatro Gláucio Gill (Praça Cardeal Arcoverde, S/Nº - Copacabana)
5/11, às 20h
Ingressos: R$ 20 e R$ 10 (meia)