CRÍTICA / TEATRO / CHOQUE! EM BUSCA DE VIDA INTELIGENTE: Abismo alegórico

Por Cláudio Handrey - Especial para o Correio da Manhã

Danielle Winits alcança uma representação rara em sua carreira

Antonin Artaud, Bertolt Brecht, Bob Wilson, Gordon Craig, Samuel Beckett, estão presentes na encenação de Gerald Thomas. Uma mistura astuciosa, que critica a mediocridade em que estamos mergulhados. Com imagens exuberantes, o espetáculo é invadido por uma intensa teatralidade, na qual os devaneios da humanidade buscam sentido na contemporaneidade. A caixa cênica é exposta, o teatro desnudando sua essência, acolhe um cenário de Fernando Passeti, que se transforma durante a apresentação.

Surgem torres do urdimento, telas pintadas por Rinaldo Escudeiro e um rosto agigantado da atriz, numa referência à pop art de Andy Warhol, além de várias escadas irregulares, num contraponto de cores e escalas. Criativo e ousado, Thomas se mantém fiel ao experimentalismo, no qual se debruçou em montagens como "Eletra com Creta", "Carmem com Filtro", a "Trilogia Kafka", "The Flash and Crash Days", com Fernanda Montenegro e Fernanda Torres, entre outras. Numa ideia de que forma é conteúdo, o diretor se inspira no pós-moderno, quebrando o conceito clássico do dramático, a psicologia dos indivíduos, em que a colisão dramática se despedaça. A visão contemporânea nos faz deparar com uma pluralidade, uma heterogeneidade, um viés ambíguo, híbrido do ato teatral, onde a contradição, fragmentação, anarquizam e desordenam a escrita cênica.

Numa atualização do próprio encenador, o texto da estadunidense Jane Wagner tornou-se um marco teatral, propagando humor ácido e crítica social. O monólogo, onde uma atriz/personagem questiona protótipos sociais, o mundo capitalista e a valorização de uma cultura de massa descabida, bestificando-nos a cada segundo, em que seres são considerados somente se alcançarem um epopeico número de seguidores nas redes sociais. A personagem vai se desequilibrando diante de tantas contradições humanas, falta de empatia, falta de memória, numa alusão de que a vida vem perdendo sentido.

Danielle Winits, muito bem conduzida por Thomas, implementa texturas dramáticas diversificadas, alcançando uma representação, na qual a atriz pouco se aventurou, manifestando estados de embriaguez e êxtase, rodeada por um elenco de apoio apropriado.

João Pimenta cria um figurino terroso, apocalíptico, que é trocado à vista do público, reforçando a quebra de paradigma do espetáculo. A irresistível luz de Wagner Pinto, em perfeita conexão com a proposta, ornamenta a parafernália, torna um ambiente poético, como a imagem de LED, tirando nosso fôlego, ao final. Thomas estabelece uma espécie de metateatro, em que o clima alegórico nos aproxima da nossa própria realidade nua, crua e por ora, desinteressante.