No Rio também se dança o Copérnico
A música típica da nação imaginária criada por Hique Gomez e Nico Nicolaiewsky, no sucesso 'Tangos e Tragédias', ganha o palco do Casa Grande esta noite com 'A Sbørnia Kontr´Atracka'
A música típica da nação imaginária criada por Hique Gomez e Nico Nicolaiewsky, no sucesso 'Tangos e Tragédias', ganha o palco do Casa Grande esta noite com 'A Sbørnia Kontr´Atracka'
É necessário visto para entrar na Sbørnia, uma ilha que se desprendeu do continente após sucessivas explosões nucleares e passou a flutuar errante pelos mares do mundo. Para ter seu passaporte carimbado, a fim de visitar essa pátria - cujo esporte oficial, o Machadobol, pode custar a vida de seus atletas, e cuja religião se chama Votørantismo - é necessário saber uns passos de sua dança típica, o Copérnico.
Nela, girando a cabeça, canta-se "Você não pode mexer com as pernas/ Você não pode mexer com as mãos". Essas informações diplomáticas serão essenciais a quem passar pelo Teatro Casa Grande, no Leblon, nesta quinta-feira, às 20h. Lá estará a festiva delegação desse país imaginário, que mobiliza as artes cênicas no Brasil há quatro décadas e se reconfigura agora no espetáculo "A Sbørnia Kontr´Atracka". O gaúcho Hique Gomez é o menestrel por trás dessa micareta multicultural, vinda do Rio Grande do Sul.
Celebrizado no cinema com o filme "Até Que a Sbørnia Nos Separe" (2013), de Ennio Torresan e Otto Guerra, a peça musical "Tangos e Tragédias" foi um blockbuster do teatro nacional, que nasceu em Porto Alegre e mobilizou cerca de 1,5 milhão de pagantes, entre sua estreia, em 1984, e 2014, quando um de seus componentes, o músico e ator Nico Nicolaiewsky, morreu em decorrência de uma leucemia. Hique era seu parceiro de cena - e amigo de toda uma vida - e sofreu a perda, o luto e a saudade, mas acreditou que a melhor forma de homenagear seu camarada seria resgatando o legado da nação fictícia, quase medieval, inventada por eles. Daquela província insular vinham duas figuras exóticas: o maestro Pletskaya (papel de Nico) e o violinista Kraunus (Hique), sempre faminto e intrigado com os sumiços de seus sanduíches nas cidades onde se apresentavam.
Que metáfora do Brasil há nas dimensões territoriais da Sbørnia? Hique prefere não revelar:
"Essa metáfora a gente deixa para o público decifrar. É o papel delas, indo ao espetáculo, mergulhando no universo da Sbørnia, interagindo e fazendo a sua leitura. Entregar essas interpretações de bandeja é não permitir que o público faça sua leitura. Ademais, começamos no final da ditadura militar. Nosso roteiro teve que passar pela censura, e passamos por diversas fases da realidade brasileira. E convenhamos, pode ser uma metáfora do Brasil, mas temos que concordar que o mundo todo anda se sbørniando", diz o ator e músico.
Na encenação performática desta quinta, no Casa Grande, Kraunus traz consigo uma casta ilustre de mambembes de seu Paraíso na Terra: a pianista Nabiha (Simone Rasslan); o professor, tocador de gaita de foles e hipnotizador das montanhas MenThales (Tales Melati); a sapateadora do Ballet Hiperbølico da Sbørnia, Pierrot Lunaire (Gabriella Castro); e o Professor Ubaldo Kanflutz (Cláudio Levitan), Reitor da Universidades de Ciências Fictícias que traz os novos mapas da polis sbørniana. O saudoso Plestkaya será evocado em imagens do telão.
Logo que essa releitura digna de ópera rock de "Tangos & Tragédias" começou a rodar palcos, Kraunus manifestou-se publicamente acerca da fratura existencial exposta pela falta de seu bróder: "O Maestro Pletskaya voltou para nossa querida Pátria natal, a Sbørnia, a fim de defender o povo Sbørniano de uma série de atackes. Você acredita que estão querendo meter a mão nas reservas de Scklercs de Bisuvin??? É a maior riqueza de nossa pátria!!!", diz o zé-pereira sulista, referindo-se à flor que dá energia à sua Passárgada de anarquismo hiperbólico.
"São 40 anos na construção de uma obra aberta", explica Hique. "Significa que vencemos no quesito 'arte não descartável'... e que o legado que deixamos poderá ser revisitado por outras gerações. Novos artistas se afeiçoaram na nossa criação e quando eu não estiver mais aqui, a história da Sbørnia poderá seguir sendo encenada nas mais diversas plataformas".
Em carreira internacional, "Tangos e Tragédias" fez carreira em festivais em Buenos Aires, Montevidéu, Quito, Lisboa e San Sebastian, na Espanha.
SERVIÇO
A SBØRNIA KONTR'ATRACKA
Teatro Casa Grande (Avenida Afrânio de Melo Franco, 290 - Leblon) | 30/10, às 20h
Ingressos a partir de